Haverá muitas definições de cultura, tantas quantas as vontades de comunicar, de transformar o nosso interior numa linguagem perceptível, mas a que melhor ilustra a urgência, a razão de ser da sua existência, será a de todo o ser humano ter direito ao sonho. Imagine-se a nossa vida sem um romance para ler, sem uma pintura que nos distraia por instantes da repetição quotidiana das imagens, de uma musica que nos embale, de uma escultura, uma peça teatral, de um filme, etc. Imagine-se que, além da nossa “vidinha” repetitiva, sem interesse, na longa caminhada para lado nenhum, não havia mais nada. A insuportabilidade seria absoluta. Nos tempos modernos a criação cultural perfila-se não só enquanto necessidade absoluta, mas também enquanto suporte de vida, garantia de sobrevivência ao desespero, alternativa aos buracos do caminho. Todas as religiões, todas as propagandas, todas as sociedades em todos os tempos se socorreram da criação cultural para passar a sua mensagem. Sem arte, sem cultura, as sociedades transformam-se em reservas de escravatura, em legiões de “zombies”, absorvidos apenas na execução das suas tarefas, desprovidos de iluminação humanista.
Mesmo numa lógica economicista, sabemos por estudos anteriores, que a cultura e a sua actividade industrial é sustentável, criadora de emprego e receitas.
Nos terríveis tempos que correm, a fase de genocídio está em marcha no nosso país. Os mais fracos, os velhos, os doentes, uns atrás dos outros vêem-lhes negado o direito à vida. Sem trabalho, sem saúde, sem comida, sem casa, em nome de uma lógica implacável, especuladora e desequilibrada, os conceitos de democracia e civilização vão-se diluindo. Agora é a vez de matar o sonho e concluir essa agenda que nos quer transformar num paraíso de mão-de-obra barata. A ditadura abate-se sobre nós fortalecendo-se um pouco em cada dia que passa. Deixámos de ser memória há muito tempo. Agora deixamos a vida e o sonho.
“2012 – Ano zero da Cultura”, expressão usada há dias num colóquio sobre o estado da cultura no nosso país, sintetiza o nosso desespero perante a ofensiva para matar a nossa capacidade de sonhar. Que fazer a partir daqui? Reagir, exigir, protestar. A excelente e elevada atitude de resposta às agruras da crise, o alargamento da solidariedade e a opção pela não violência poderão constituir o princípio de qualquer coisa. O princípio de uma reacção da sociedade, consciente do fim da democracia, do fim do estado de direito, o alargamento do fosso entre classes. Na cultura a única resposta é não parar. Usar todos os meios disponíveis para continuar a levar a criação aos outros, criar ainda com mais empenho e mais força. A cultura não é privilégio de ninguém, mas antes o espaço que resta entre nós e nosso extermínio enquanto seres. Xanana Gusmão disse um dia que “resistir é vencer”…Sonhar, também…
Artur
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