quinta-feira, 1 de outubro de 2009

A JOGAR FORA


AWAYDAYS

Pat Holden

Reino Unido, 2009


Comboios, estações de comboios, corredores de tijolo estreitos, corridas ofegantes, confrontos inevitáveis, becos sem saída. No início da década de 80, o Punk saía de cena e Margaret Thatcher dava início a um período de desvario neo –liberal que se traduziu, entre outras coisas, em sucessivas vagas de descaracterização e enfraquecimento do tecido social britânico. Menos trabalho, menos serviços públicos, menos vida. Nesta encruzilhada do tempo, neste aparente vazio de modas, os jovens adolescentes vêem-se completamente isolados do mundo, sem dinheiro, sem trabalho e sem rumo.
Baseado no bestseller com o mesmo título, da autoria de Kevin Sampson, AWAYDAYS é a história desses tempos incertos contada na pessoa de Paul Carty, um jovem de 19 anos que ficou sem mãe há pouco tempo e cujos únicos interesses na vida são o futebol e a musica. É quando conhece Elvis que tudo muda. Pela mão dele vai entrar num grupo intitulado “The Pack”, adeptos do Tranmere Rovers. E apesar de Carty nunca sentir como muito fortes as suas identificações com o grupo, a amizade com Elvis reforça-se em cada dia, em cada semelhança de gostos, em cada campo de batalha.
Filmado na Península de Wirral, Noroeste de Inglaterra, o filme apresenta-nos essencialmente um tempo de vácuo e ausência de rumo sobre uma geração de jovens sem perspectivas em relação ao futuro, enquadrado numa paisagem industrial fria e impessoal. Apesar da importância das cenas de violência, o filme espalha-se para muito mais áreas como a da moda e da música, elementos distintos de identidade e prestígio dentro dos grupos. Entre Carty e Elvis há mesmo uma relação de cariz homo-erótico que contrasta com o pendor violento e masculinizado, próprio deste tipo de ambientes. Aliás, o maior trunfo deste filme é uma excelente banda sonora composta por bandas da época baseada em nomes como “Joy Division”, “Ultravox”, “The Cure”, Lou Reed, “The Rascals”, “Echo & The Bunnymen”, etc. Por outro lado, a atenção dada à moda entre os bandos e à forma como ela era exibida, é também reveladora das tendências da época.
Nascido em Liverpool, Sampson foi tudo isto enquanto jovem. A sua experiência pessoal levou-o a escrever o livro em que o filme se baseia, tentando desse modo ser fiel ao registo desse tempo para a posteridade. Numa época de vazio, exclusão e incerteza a tensão social acumula-se e a marginalidade abre-se como um caminho natural para os jovens. As drogas, o sexo fortuito, a violência, a moda e a música são como que os ritos da religião dos esquecidos, “dos esvaziados de futuro”.
Não se tratando de um filme extraordinário, também não há razão nenhuma, no meu entender, para merecer as críticas arrasadoras que levou até aqui. Por várias razões. Primeiro, porque sendo um filme sobre o fenómeno do hooliganismo, depressa ultrapassa os seus limites ao centrar-se nas relações de amizade, em alguma (breve) análise sociológica, ao se apoiar numa extraordinária banda sonora. Em segundo lugar, quando se aborda aquela época, e assumidamente, um tempo ausente de esperança, futuro, e qualidade de vida, cai-se forçosamente num abismo de vazio, num quotidiano sem amanhã. E nesses casos, a uma realidade vazia e fragmentada, corresponde forçosamente uma recriação vazia e fragmentada. Sem grandes continuidades, respostas, conclusões ou ligações entre o que quer que seja. E essa é a identidade do filme.
Para quem foi jovem na década de 80, este filme é para si…

3 comentários:

A.Teixeira disse...

Por teres falado aqui da sociedade britânica de há uns 25 anos atrás lembrei-me, feito Baptista-Bastos, de acrescentar que nós cá em Portugal, especialmente no Algarve e no Verão, temos tido oportunidade de acompanhar a sua evolução através do estudo dos exemplares típicos que eles vêm cá despejando com regularidade naquela época.

Além de achar que devia dizer isto, também achei que devia perguntar isto: quando é jantamos?

Artur Guilherme Carvalho disse...

Seguramente a partir da segunda quinzena deste mês. Eu digo-te qualquer coisa. A recuperação tá a andar bem? 1 abraço

Carlos Lopes disse...

Eu fui jovem na década de oitenta. Este filme é para mim, seguramente.