quarta-feira, 7 de outubro de 2009

OLD



Old have memories to keep all cold away.
What is that you say?
No sense to dwell.
Old, are you ridiculed and fumed away,
No attention paid?
I thought as much. Yes and the dumb patriots have their say,
Only see their way.
Nothing to sell.
And worse from us, so obvious,
Preposterous, when you think of the time that each has spent.
Words heaven sent and truly meant to show
Old, may I sit down here and learn today?
I'll hear all you say.
I won't go away.

Dexys Midnight Runners


Quando chega o Outono, parece que a nostalgia é maior. Talvez porque a neblina se entretém a decorar as manhãs com um fumo líquido que nos transporta de um tempo em linha para as terras em que o tempo é só um. Um lugar onde o Presente e o Passado se encontram à mesma mesa a confraternizar, a contar anedotas, ou seja, a contar a nossa existência.
Recordar mantém o frio à distância, como se pode ler no poema. Uma canção de um álbum ouvido até à exaustão, até ter tantos riscos que o silenciassem para sempre. Ou transportá-lo para aquela nova invenção que se chamava cassette (K7). Havia um disco…havia sempre um disco e um tubo de escape a rugir pela estrada de Sintra com dois macacos em cima. Mas a “Old” era a faixa menos gasta. Havia o “Come On Eillen”, o “Plan B”, “The Celtic Soul Brothers”ou uma série de gritos musicados em forma de rebeldia. E livros espalhados pela sala que nos começavam a abrir portas para este mundo, este bidé de país. Naquelas tardes melancólicas antes do começo das aulas o tempo estava parado, era só um como agora. Habitávamos o mundo mas não queríamos saber dele. Percebíamos a vida mas isso não nos trazia felicidade.
O tempo parava numa estrada escura rasgada por um farol solitário da Gillera 50, da Praia das Maçãs até Colares, de Colares até Sintra.
Antes de começar as aulas havia sempre aquela pequena pausa de uma semana, antes de regressar a mundo. E os livros ensinavam, fascinavam, mas também avisavam. O que aí vinha não tinha piada nenhuma. Era um caminho de pedras, impróprio para uma motorizada elegante de 50cc. Com dois macacos em cima a fingir alegria. O caminho era um jogo em que se perdia sempre, ou quase sempre. Talvez uma vitória ocasional aqui e ali, pontos dispersos no campeonato de um universo azul-escuro.
A serra anoitecia debaixo de um manto húmido, era sempre assim. Como uma velha senhora que coloca esmeradamente a sua touca de nuvens antes de ir dormir. Mas o tempo deixava de ser. No sonho as visitas inesperadas surgiam dos livros. Um Eurico que perdeu tudo menos a honra, por não quebrar o seu juramento com o Mais Velho. Um Estrangeiro chamado Mérsault que se precipitava para o cadafalso por ter despejado o revólver num árabe na praia e que reclamava a sua partida desta condição absurda. Um Gatsby contava-nos a história de um engano e de como perdeu a vida por amor, por uma tonta de uma mulher que nunca o mereceu. Vinham-nos avisar de como seria e ao mesmo tempo oferecer a sua solidariedade. “Tocou-nos a nós, agora vai tocar-vos a vocês. Não se assustem…é mesmo assim.”
E seguiu-se esse romance amargo a que chamam “vida”, com algumas breves passagens de alegria pelo meio. Precisamente aquelas em que conseguimos parar o tempo por instantes e ficar no vazio, suspenso, anoitecer sobre a serra que adormece como uma velha senhora orgulhosa da sua touca feita de nuvens.
Agora são os ossos que nos contam histórias nestes dias de humidade. É o tempo que às vezes se consegue parar para recordar, uma Gillera amarela de cinco velocidades que rasga a noite com um só farol e nos trás memórias de quando tudo era possível mesmo quando nada valia apena.
Artur

2 comentários:

Arnaldo disse...

Talvez o amor - ou a amizade, o que vai dar ao mesmo, seja esta coisa insana de ler escrito por outro aquilo mesmo que nos vai na alma, aquilo que julgávamos ter esquecido, aquilo que poderíamos ter dito e não fomos capazes de dizer. Um grande abraço, meu irmão !

Artur Guilherme Carvalho disse...

E amar um amigo que por aqui andou muito antes de nós, mas que com as suas palavras deixou a conversa que nós ouvimos. As palavras que andam na neblina em forma de vulto e que acabam sempre por molhar os ombros de alguém que as há-de repetir. Um grande abraço cheio de Gilleras e fins de tarde sobre a Serra para ti, irmão.