Aproveito uns dias de folga, agarro na minha companheira e arrancamos para o campo em busca de tranquilidade, horários flexíveis e uma esperança de mar. Dia fabulosos para esta época do ano, uma “longboard”a protestar artroses de cera, dois pirolitos em águas quase mornas e sair de “fininho” antes de ter que chamar os paramédicos para me ressuscitar do afogamento de quarentão. Semana repleta de acontecimentos e estes ossos, mais esta paciência que já não os quer acompanhar. “Mais do mesmo. Sempre a mesma história. Nada a fazer” – dizem-me eles quando insisto em comprar o jornal, quando vejo que o portátil se recusa a arrancar. Fico nu no meio da praça sem a treta do computador. Sinto-me mal, vazio, vítima de comportamento aditivo não controlado. Em que é que nos tornámos ao fim de sucessivas revoluções de comunicações? Em “drogadinhos” de tecnologias e ermitas de contacto. Fechados nas nossas cavernas revestidas de milhares de pixels, LCD, twitter, online, Giga Mega bites, numa decoração barroca sem mundo, sem toque, quase sem vida.
Tomou posse o novo governo, saltou mais uma lista de suspeitos de corrupção tentacular, um puto vítima do caso Casa Pia publica as suas memórias. Está confuso, já não acredita que se faça justiça no tribunal. Quando percebeu que outras crianças eram também vítimas do motorista que o perseguia e abusava, teve emoções contraditórias. Uma delas foi sentir “ciúmes” por não ser o único, como a sua ingenuidade o fazia julgar. Entre vítima e exclusivo sai um livro, testemunho, memória, arrepio. No lugar onde os órfãos e os abandonados em geral deviam estar protegidos pelo Estado, afinal há rambóias para os senhores famosos e poderosos darem largas à sua taradice. Junta-se povão à volta da câmara da televisão, gritam todos ao mesmo tempo, empurram o locutor muito engomadinho de isenção e seriedade. – “Isto era agarrá-los…” sentenças rápidas ao ritmo das notícias dos telejornais.
O Colégio Militar, o Garcia Pereira aos gritos de indignação e o BE, o BE senhores, não têm mais nada para fazer? Andei lá nos anos 70 e há uma série de comportamentos e situações que só se podem ser compreendidas por quem viveu nesses mundos que estão longe da perfeição. Um gajo na SÁBADO, um meu contemporâneo, fala de coisas que eu nunca vi. Não justifico nada. Houve, isso vi eu, ajustes de contas com os mais velhos. Tudo em circuito fechado. Se há razões para procedimento criminal, investigue-se, julgue-se e faça-se sentença. Mas há demasiados cães a ladrar nesta história, demasiada vontade de deitar abaixo uma instituição de dois séculos de existência com código de conduta próprio, com excelentes pergaminhos pedagógicos por excelência. Agarraram um padre que tinha um enorme arsenal em casa, emprestava a juros e ia-se apropriando de imobiliário sem grande esforço. Faz-se um chinfrim à porta do Vaticano a pedir o seu encerramento?? Não me parece.
Literatura: Na mesma semana o “Maluco” e o “Velho” fazem saltar cá para fora mais um livro cada um. O primeiro encontrou Deus no silêncio da sua escrita, o segundo farta-se de usar o Seu nome para vender e para criar histórias. Um fala sozinho e diz que O descobriu, o outro diz que Ele não existe, embora não se canse de usar a sua ajuda. E nós levamos com tudo o que eles nos quiserem dar, porque vendem à brava e os editores estão a precisar de fazer uns trocos.
Volto para o romance que estou a escrever, canso-me e tenho medo de cansar os leitores. Abro um vinho reserva e asso castanhas. Dou dois pontapés no computador e consigo trazê-lo de volta à vida. Ligo a televisão. Paquistão, Afganistão, Iraque e bomba, bomba, bomba. Em nome de Deus, que o mesmo é dizer: em nome de quem lucra com o ódio e a intolerância dos outros. Será o mesmo Deus do Velho, ou do Maluco, ou do burgesso que gamava alegremente à sombra do Partido, ou do padre samurai, ou dos filmes do Vasco Granja? Parece que não, mas vai tudo dar ao mesmo. O jornalista engomadinho a esmagar-se contra a objectiva empurrado por populares enraivecidos, um bando de miúdos delirantes a colar macacos na cabeça do operador de câmara. – Isto era mas era agarrá-los… - Fantochada do tamanho do mundo, Vida, metade a tentar perceber, outra metade a tentar esquecer. Asilo de loucos, terra da confusão. Nem o empate do Porto me consegue aquecer. Volto ao romance, um pouco de hino (grita o António Silva na CANÇÃO DE LISBOA), haja alguma seriedade, quanto mais não seja gramatical, léxica, narrativa… E uma voz de velha que grita do fundo da assistência: “ Ó Ernestina, vamos embora que isto foi tudo uma vigarice..!”
Artur
5 comentários:
Excelente, amigo!
Olha que eu estou a ler o livro do Maluco e é dos melhores dos últimos anos. O do Velho passa-me ao lado. Agora resta-me esperar pelo teu.
Um abraço!
Na verdade, crónica para dizer tudo. É espantosa a capacidade que tens de agarrar a fenomenologia, de perceberes aquilo que aparece claramente na corrente de consciência, transpondo-o para as palavras. Tal como o Carlos, espero ansiosamente o teu romance.
Um grande abraço, meu irmão
P.S.: Como dizia o velho Frederico Guilherme, Deus é uma questão de gramática. Enquanto a usarmos não nos livraremos dele...
Esta terra onde"a fraternidade é rude como a flor do cardo
E os homens usam a alma como um instrumento cortante."
A falta que faz a minha conterranea, para chamá-los todos pelos seus nomes! Lançar-lhes chispas, com os seus olhos de felina, e devorá-los ao jantar, amaciados por uma fatia de ananás!!! Senão, era indigestão garantida...
Não vou ler o do velho(ou é dela?) nem o do outro!!2666 até acabar!! E depois logo se vê..
Bjo
Carlos: faço como tu. Comprei o do Maluco mas ainda não comecei. O meu está a chegar ao fim. Falta pouco. 1 abraço
Arnaldo:Obrigado pelo teu comentário. É bastante importante para mim quando gostas do meu trabalho. 1 abraço
Elsa:2666, é o quê? Fiquei em branco. Volta, visita, comenta. Bjs
Uma crónoca sem fim... porque apetece continuar a ler mais Artur, depois de se ouvir... "uma voz de velha que grita do fundo da assistência: “ Ó Ernestina, vamos embora que isto foi tudo uma vigarice..!”
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