terça-feira, 9 de junho de 2009

A MÚSICA QUE TOCA


Foto de Sofia P. Coelho
Volto a ouvir aquela música pela milionésima vez. Imóvel de sentido, emocionante de estímulo, ela continua pelo vácuo a deixar o seu som sem que nada a faça envelhecer. Olho para ela com um copo na mão e o tempo desfila perante a minha memória. Em quantos locais, em que situações. Ela. Sempre ela, aquela música que toca sempre da mesma maneira e não envelhece. Os dois, reis por uma noite, um casal de jovens que se apaixonaram naquele momento. Carros de porta aberta à neblina húmida do Tejo com dois amigos lá dentro a ouvir. A neblina de um charro a escapar-se levando-nos a caminho das estrelas. Simplesmente a ouvir, por baixo da respiração metálica da ponte com um ou dois casais de namorados a 50 metros, indiferentes a nós, à noite e ao mundo.
Tudo tão simples como um ritmo, uma melodia eléctrica libertada em euforia criativa. A música e a paz, o amor, a fraternidade das almas. Um som que permanece um som mas que cresce com o nosso tempo. O significado de um poema nas entranhas da existência. Não nos rendemos. Não entregamos os pontos à mediocridade da existência. Não quer dizer que não tivéssemos perdido em quase todas as frentes. Uma geração sem vocação de Poder, um grupo etário que soube sempre e apenas o que não queria. Que disse tantas vezes “não” que se esqueceu do que queria afirmar enquanto ideia concreta. Mais um desperdício de existência entre negativas e liberdades aceleradas, exageradas até à vertigem. Cá estamos, os que estão e fizeram o favor de não partir antes do tempo. Cá estamos da mesma maneira que sempre estivemos. Deslocados, vazios e carregados de VIDA. Para quê? porquê? Porque, por alguma razão que conhecemos, que sempre soubemos existir, isto não é nem deve ser assim. Uma razão tão incrustada nos confins do instinto que a racionalidade nunca conseguiu tornar legível.
Amanhã outra geração se levantará. Falhará como nós falhámos, mas vai tentar fazer alguma coisa que acabará por ser a sua marca. Meter-nos-á em lares onde andaremos a fugir de enfermeiras diligentes para fumar um charro às escondidas na casa de banho. É esta a nossa sina: ninguém nos compreender. Pais, filhos, enfermeiras do lar. Uma vida inteira a fugir porque não vale a pena explicar. O que foi bom para nós não é necessariamente bom para os outros. Os outros… nós… o mundo.
A canção toca como sempre tocou acompanhando as horas vazias, os dilemas da existência que continuarão cá depois de morrermos. Talvez nessa altura se consiga perceber alguma coisa. Quando já não interessar para nada perceber seja o que for. Enche-me o copo, irmão. Deixa que a noite sossegue a intranquilidade dos fantasmas. Numa parte remota do universo, nós fomos qualquer coisa. Dê lá por onde der, as marcas ficaram, a Liberdade foi desenhada numa parede e os filhos da puta vão continuar a perceber que há quem não pense nem seja igual a eles. Fomos qualquer coisa como aquela música que nunca envelhece, apenas ganha mais sentido de cada vez que é ouvida.

ARTUR

3 comentários:

VDT disse...

É a banda sonora da vida... cada momento tem o seu sonzinho caracteristico, como as cicatrizes que nos fazem lembrar que o passado é real! Aquele abraço

elbett disse...

Lar das asas, lá para Cintra!!! A pandilha ,a fugir em noites de lua cheia, para ir abraçar as árvores e enterrar as fraldas:-) com a Sofes a fazer a reportagem fotográfica! Nice pic!! Bjo! Keep the flow

Artur Guilherme Carvalho disse...

V: na mouche. A banda sonora que nos lembra que o passado aconteceu, é real. Volta sempre xaval. Um abraço.
Elsa: Se não fôr em Sintra será na Terceira, em Santa Maria, S. Tomé ou em casa do c... mais velho. O que importa é estarmos juntos a atirar as algálias à cabeça uns dos outros. Beijos.