segunda-feira, 15 de junho de 2009

UM PARADIGMA CHAMADO INVICTA


(Georges Pallu)
Fiel à tradição cinéfila a cidade do Porto continuava a marcar pontos. Alfredo Nunes de Matos, gerente do velho e prestigiado Jardim Passos Manuel, funda a Invicta Filme em 1910. Nos seus primeiros anos de existência os operadores Manuel Cardoso e Thomas Mary Rosell rodam milhares de metros de filmes tendo como objectivo principal o quotidiano daqueles tempos. Desde visitas presidenciais até à partida de soldados para a guerra, passando por romarias, manobras navais e acrobacias aéreas, a Invicta chegava a todo o lado, exportando as suas cópias para a Europa através das distribuidoras Gaumont e Pathé (representadas em Portugal por Nunes Matos).
Consolidada a popularidade e o rendimento da Invicta, Nunes de Matos decide dar um salto em frente. E assim, ligada ao banqueiro José Augusto Dias, ao empresário do Olímpia ( outro cinema vizinho do Passos Manuel) e director de produção Henrique Alegria, é fundada a Invicta Filme Lda. Em finais de 1917. Assimilando o pessoal e a maquinaria da Invicta antiga são contratados também vários técnicos franceses. Após a compra da Quinta da Prelada à Misericórdia do Porto está lançada a construção de um moderno estúdio de cinema.

(estúdios da Invicta Filmes Lda.)
Dos franceses contratados destaca-se o nome de Georges Pallu, elemento muito importante no cinema futuro como adiante veremos. Rodado em cinco dias, FREI BONIFÁCIO estreia a 4 de Outubro de 1918 no Porto no Olímpia, e em Lisboa no Salão Central e no Condes. Segue-se meses depois ROSA DO ADRO. Ambos têm a assinatura de Pallu na realização. Em Portugal os acontecimentos sucedem-se a uma velocidade vertiginosa. O consulado de Sidónio Pais, a insurreição monárquica no Porto e em Lisboa, agitação social pelo país fora. A Invicta no entanto, bem como a produção nacional em geral, afastam-se do quotidiano. Feitos sob o registo de film d’art os filmes portugueses, apesar de versarem obras e temas nacionais não trazem novidades temáticas. O produto, sendo convencional impunha-se no mercado.
A Invicta vai entrar na década de 20 em pleno de produção e carreira comercial contando com o apoio dos seus magníficos estúdios. Segue-se OS FIDALGOS DA CASA MOURISCA (21), uma produção orçada em cerca de 20 contos e com os exteriores filmados na Torre de Lanhelas no Alto Minho. Numa tentativa de encontrar temas portugueses, a Invicta e o Diário de Notícias comprometem-se a colaborar no sentido de publicar e posteriormente filmar o trabalho de autores nacionais. Deste casamento nascem dois títulos, ambos realizados por Georges Pallu. AMOR FATAL e BARBANEGRA em 1920.
Em 1921 tanto a Invicta como Pallu entram em carreira ascensional. AMOR DE PERDIÇÃO (primeira adaptação do clássico camiliano) e MULHERES DA BEIRA alcançam êxito considerável. A FRECHA DE MIRANDELA (baseado num conto de Abel Botelho) marca a estreia de um novo realizador, Rino Lupo.
Em 1922 a Invicta produz quatro filmes: O DESTINO e O PRIMO BASÍLIO de Georges Pallu, TINOCO EM BOLANDAS de António Pinheiro e TEMPESTADE DA VIDA de Augusto Lacerda. Este último inaugura uma tradição na temática do cinema português dos primeiros tempos ao filmar o mar e os pescadores, neste caso no contexto da Póvoa do Varzim.
Confrontada com uma série de dificuldades, os dias da Invicta entram em fase decadente a partir de 1924, tendo ainda produzido TRAGÉDIA DE AMOR de António Pinheiro e A TORMENTA, último filme da produtora e de Georges Pallu no nosso país. Se a nível criativo a decadência da qualidade e a imitação fracassada do figurino estrangeiro acabavam por fazer descer as audiências, o clima económico também não ajudava. Debaixo de uma crise nacional e internacional, com a desvalorização da moeda e as grandes dificuldades de distribuição a Invicta não consegue sobreviver. Com o desaparecimento da Invicta estava aberto o caminho a um dos maiores paradigmas de sempre do cinema português. Precisamente o da hostilidade do mercado combinado com a ausência de medidas proteccionistas pelo Estado em relação à concorrência estrangeira.
Em 1922 o escritor, jornalista e publicitário espanhol Raul de Caldevilla vem para Lisboa onde adquire a Quinta das Conchas ao Lumiar projectando a construção de um estúdio. O projecto não se chega a concretizar por venda posterior à Pátria Film. A Caldevilla Film durou dois filmes e dois anos. Foram eles OS FAROLEIROS e AS PUPILAS DO SENHOR REITOR, ambos realizados pelo francês Maurice Mariaud. Ambos baseados na obra de Júlio Dinis, o primeiro era rodado na Torre do Bugio. Embora tendo produzido vários documentários, a Caldevilla Film não iria sobreviver ao ano de 1923.
Seguem-se várias tentativas idênticas de implantar produtoras no mercado. Lusa Films, Fortuna Films, Enigma FIlms, Pátria Films, a uma média de dois a três trabalhos por produtora. Esta vaga de iniciativas isoladas não favorecia o nascimento de uma cinematografia nacional. A utilização de modelos estrangeiros, embora adaptando preferencialmente textos clássicos da Literatura portuguesa não era suficiente para cativar um público regular, mais preocupado com a carteira do que com o divertimento. Restava um património considerável de cinema documental, curiosamente o mais popular nos espectadores da época. O alheamento da República, mergulhada em convulsão permanente, também não ajudava nada. Indiferente à nova arte que emergia, a democracia liberal iria fracassar onde em poucos anos a ditadura triunfaria. Consciente do fenómeno Cinema e da sua utilização eficaz na propaganda, o Estado Novo viria a desenvolver e instituir a sétima arte como elemento privilegiado nos novos meios de comunicação.

ARTUR

Sem comentários: