sábado, 17 de janeiro de 2009

PAUSAS DE MORTE



Acabei de ler num blog que costumo visitar com alguma frequência, que a sua autora se cansou da blogosfera, que se lhe esgotaram temporariamente as razões para nela trabalhar. As ideias secaram, os assuntos esmoreceram de actualidade ou de interesse e, como tal, regressou à “vida”. Ou seja, exactamente o mesmo que me acontece a mim de tempos a tempos. Cansamo-nos porque essa é a nossa natureza. Fomos feitos de pausas e de celebrações de morte e não vale a pena tentar compreender o porquê desse ritmo de estados de espírito porque nunca conseguiremos chegar a uma conclusão definitiva. Cansamo-nos da actividade profissional de todos os dias, cansamo-nos do nosso(a) companheiro(a), do amigo de sempre, do livro que estamos a ler, da “vidinha” estúpida que somos obrigados a carregar todos os dias…cansamo-nos de nós… São fases, momentos inevitáveis que nos pintam os dias em aguarelas cinzentas em que nem sequer nos apetece chorar porque nem a tristeza conseguimos sentir. Apenas e só um interminável cansaço, uma universal saturação de tudo e de todos. Acontece mesmo com a criação, com a estética, com o romantismo dos ideais, com uma série de coisas que aparentemente chegariam isoladas, a arrebatar de nós este sentimento cansado e indiferente.
Nestas fases sinto por vezes a sensação de exílio, de morar num estado de vida de aluguer sem dele fazer parte, embora não consiga encontrar o caminho para casa. Tudo me é estranho e de compreensão impossível (“ quando vejo não percebo e quando percebo, não consigo compreender” – diz um personagem de um livro meu…). Viaja-se para as terras do vazio com um bilhete sem data de regresso, através de um caminho inócuo, imparcial, desprovido de brilho. E lá acabamos por chegar a esse sítio onde não há amor que nos valha nem raiva que nos acorde. Uma dormência que adormece, uma indiferença que não aquece nem arrefece. É verdade, muita gente se queixou disso ao longo dos séculos utilizando para tal as mais variadas formas de expressão disponíveis, capazes de ser comunicadas ao resto da espécie.

Nestas alturas lembro-me de Van Gogh, de uma esplanada numa rua de um café de Paris ao entardecer e de um quarto colorido e desproporcionado geometricamente. Lembro-me de que o homem não vendeu um único quadro enquanto foi vivo e que o Fernando Pessoa só conseguiu publicar um livro antes de morrer. Sem conseguir melhorar o estado de espírito, não deixo de me interrogar. Não deixo de confirmar o sentido nenhum desta tanga de existência, desta merda de condição que é a nossa. Não deixo de me lembrar da frase de Kafka, aquela que diz que o Messias chegará um dia depois de já não fazer sentido nenhum a sua chegada. Quando já não houver ninguém para o receber. O sentido, a razão, o porquê. Três palavras sem sentido que talvez o venham a ter quando já não nos fizer falta. Temos um sentido, um rumo, uma razão para esta vida acontecer??? Se temos, nunca o encontrei. Não o encontro nas crianças bombardeadas na escola na faixa de Gaza, não o encontro nos campos de extermínio do terceiro Reich, não o encontro na ganância, na intolerância, no ódio, numa espécie (a que por acaso pertenço) que se destrói alegremente desde que pôs o pé na Terra, pelas razões mais estúpidas de que sempre se consegue lembrar. De impor a sua verdade a outra verdade, o seu deus a outro deus. Como se isso fizesse alguma diferença. Como se sobre os ossos e o sangue dos mortos se pudesse alguma vez levantar o que quer que fosse de útil, novo, melhor em algum sentido para os que cá ficam.
Compreendo perfeitamente este sentimento de por vezes até conseguir ficar farto de mim mesmo. Se a minha espécie não me merece qualquer consideração… Então fecho os olhos e penso no Van Gogh, no Fernando Pessoa, no Kafka. No enjoo de mim próprio acaba por aparecer um amigo antigo. Aquele onde percebo um sentimento de amor por todos estes gajos que já estiveram onde eu estou naquele momento.
ARTUR

4 comentários:

Clarice disse...

Pois é... pode até ser até um suspiro, para que o ar seja renovado. A alma para viver é feita de pausas, silêncios de ouro... para que não se esgote a ideia de recomeçar... e acordar uma outra vez...

A.Teixeira disse...

Van Gogh, Fernando Pessoa, Kafka...

Artur, que tal um mais prosaico Sérgio Godinho: Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida?...

Ao menos anima-nos a abrir a porta de casa e a sair.

Invocações tão Poderosas quanto as tuas geraram o "Cristo morreu, Marx também e Eu próprio não me estou a sentir lá muito bem..."

Artur Guilherme Carvalho disse...

Clarice: Como uma sinfonia, o nosso "respirar" trem necessidade de uma pausa aqui e ali. Dois ou três compassos em que o Ser se reagrupa antes de voltar à estrada.
António: São períodos de reclusão e reposicionamento da mente. É claro que não são, nem podem ser, permanentes. Todos os dias são o "primeiro dia do resto da tua vida". Continuando com o Sérgio, o espírito deste post é mais: "...Já cantámos tantos presságios;
Pondo o fogo e a chuva na voz
Já fizémos tanto e tão pouco
Que há-de ser de nós..."
1 abraço

Anónimo disse...
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