segunda-feira, 5 de novembro de 2007

O PINTOR DE BATALHAS



"Num mundo onde o horror se vende como arte, onde a arte nasce já com a pretensão de ser fotografada, onde conviver com as imagens do sofrimento não tem relação com a consciência nem com a compaixão, as fotografias não servem para nada."
in "O Pintor de Batalhas"

Arturo Perez-Reverte, um dos mais lidos autores espanhóis da actualidade, tem atrás de si uma extensa obra que, além de o ter tornado membro da Real Academia Espanhola em 2003, conta com várias adaptações cinematográficas.
O Pintor de Batalhas apresenta-nos Andrés Faulques, um repórter fotográfico de guerra que após trinta anos de actividade se decide a trocar a fotografia pela pintura isolando-se numa torre à beira do Mediterrâneo. O seu tempo é preenchido na feitura de um mural a toda a volta do interior da torre. Não conseguindo captar no instante fotográfico a capacidade de transmitir o caos do Universo, tenta na pintura pelo menos a enunciação de algumas regras desse caos.
Por companhia tem a recordação de uma mulher, Olvido(em castelhano, "esquecimento") e de um antigo soldado que fotografou durante a guerra da Bósnia, uma das inúmeras faces registadas.
Entre as recordações e os diálogos com Markovic, abre-se uma longa conversa entre pintura e fotografia, tendo como pano de fundo a barbaridade humana na sua forma de expressão mais completa, a guerra. Se a pintura não consegue registar o instante, tem no entanto a capacidade de reproduzir a expressão desse instante, enquadrando o caos, enunciando as regras da barbárie, equacionando o horror. A fotografia, sujeita a uma série de componentes limitativos ( enquadramento, entrada de luz, focagem) transmite o imediato, a realidade do instante. Numa ou noutra linguagem, a mesma verdade. A realidade só existe se a soubermos transmitir, registar, dar a ver.
Desiludido, transportando uma dor antiga no seu corpo, Faulques tenta a todo o custo terminar o fresco circular enquanto, dialogando com o antigo soldado que o veio matar, se vai colocando na posição indiferente de quem está pronto para partir.
Além da análise amarga de um percurso existencial vivido à exaustão, o livro serve também de viagem ao mundo da História da Arte permitindo por referência visitar grandes pintores e grandes museus, marcos civilizacionais da pintura mundial. Conhecer homens que contribuíram com o seu talento na análise ilustrativa da barbárie dos seus contemporâneos, o vómito universal despejado sobre as nossas cabeças em todas as gerações. E entre a vulgaridade da nossa condição animalesca e caótica e a procura de ilustrar, registar e dar a conhecer essa mesma barbaridade, a abertura para uma breve espaço. O da tentativa de compreender que descobre uma nesga, ainda que quase impossível, de amor... seja lá isso o que fôr...
ARTUR

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