quinta-feira, 29 de novembro de 2007

CARANDIRU


CARANDIRU

HECTOR BABENCO

BRASIL,2003


S.Paulo, 2 de Outubro de 1992, presídio de Carandiru. Em resposta a um motim prisional, as forças da ordem decidem irromper pelo edifício dentro disparando sobre tudo o que mexesse. O sangue escorre em pequena cascata ao longo de uma escadaria. Um policia grita : “ Vamos brincar aos policias e ladrões...” Balanço final : 111 mortos, todos reclusos. O pior massacre da história penal do Brasil foi o tema escolhido pelo veterano Hector Babenco para o seu ultimo filme, regressado de uma ausência forçada pela luta contra um cancro. Um caminho penoso e incerto onde conheceu o dr. Drauzio Varella e cujo encontro motivou a ideia do filme.
Varella começou a visitar o presídio de Carandiru em 1987, chefiando uma equipa que pretendia estudar o impacto e desenvolvimento da SIDA na população prisional. Fascinado com o ambiente bem como com alguns dos prisioneiros, o dr. Varella decidiu voluntariamente prestar asistência médica no presídio, uma vez por semana ao longo de dez anos. Enquanto tratava o seu doente Babenco, ia-lhe contando as histórias que ouvia na prisão. Daí até à publicação dessas mesmas histórias foi um pequeno passo. Assim, “Estação Carandiru” foi publicado em 1999, vendendo perto de meio milhão de cópias. Na esteira do êxito literário, o filme de Babenco bateu todos os recordes de bilheteira de 2003, arrecadando perto de 10 milhões de Euros de receitas.
Quem estiver familiarizado com a obra deste cineasta poderá ver aqui uma certa continuidade temática, bem como alguma caracterização formal, repetida e desenvolvida . Comecemos por PIXOTE (81), uma viagem alucinante ao mundo dos “meninos de rua”, das instituições correcionais, da droga, crime e prostituição no Rio de Janeiro. Um documento sociológico fabuloso para a época, com a particularidade de o principal protagonista ter sido morto anos depois num tiroteio com a policia. Alguns dos protagonistas de CARANDIRU serão, no dizer do próprio realizador : “ pixotes adultos”. A outro nível, a intimidade criativa do realizador manifesta-se de modo diferente. Enquanto que em PIXOTE se sentia o compromisso solidário para com um estrato marginal e marginalizado, vítima absoluta de circunstâncias sobre as quais nada podia fazer, em CARANDIRU Babenco adopta uma distanciação formal que o leva à simples enunciação/exibição dos factos.
Babenco centra a sua atenção nos reclusos e nas suas histórias, forma alternativa de sobreviver à claustrofobia e à brutalidade quotidiana de uma prisão, enquanto se deixa fascinar pelos seus próprios códigos de conduta. Entre a imaginação e a luta para sobreviver da população prisional, Babenco assimila uma recente tendência estética do cinema brasileiro, inaugurada por Fernando Meirelles em CIDADE DE DEUS. Uma narrativa de não compromisso, distanciada na medida do não-julgamento das condutas. Babenco não critica o comportamento das tropas anti-motim, chegando mesmo a afirmar um paralelo entre policas e reclusos na medida da sua ignorância e pobreza.
A sociedade brasileira é composta de contradições e assimetrias sociais muito acentuadas, onde dois mundos ( minoria priveligiada e maioria esfomeada) vivem completamente fechados e separados. È no encontro entre eles que normalmente a violência explode a níveis verdadeiramente assustadores. A tendência do cinema brasileiro dos ultimos anos é um espelho dessa realidade que se arrasta há décadas sem solução à vista. CIDADE DE DEUS , CARANDIRU e até o documentário ONIBUS 174 de José Padilha (04), são como páginas desse enorme livro de paradoxos repletos de violência, miséria e desespero. Sem serem manifestos políticos ou sequer ensaios sociológicos, os filmes são breves relâmpagos de realidade, registos desesperados, avisos à navegação. Em suma, contam a história anónima do nosso semelhante enquanto ultimo reduto solidário para com uma espécie que é a nossa, e sobre a qual ainda não percebemos praticamente coisa nenhuma...


ARTUR GUILHERME CARVALHO

1 comentário:

redjan disse...

Li o livro, a caminho de ver o filme também. Acabei entretanto de ler e ver o Tropa de Elite, outro relato acerca de como o caminho de uns e outros se cruza no quotidiano de violência e miséria moral, sem no entanto deixarmos de ver e acreditar numa minoria que se mexe !