quarta-feira, 7 de novembro de 2007

BLADE RUNNER À PORTUGUESA

Acordei sobressaltado com o holograma do meu guia a chamar por mim do canto da sala.- Como estás?- perguntou.
- Farto desta terra até à raiz dos cabelos.- respondi. O outro manteve-se calado por instantes, enquanto olhava distraído em redor. -Se não estás connosco na constelação de Horus, sabes bem de quem é a culpa.-Como não havia de saber. Era toda minha. No dia da última grande operação de resgate tinha ficado a dormir na cama. Só acordei já tudo tinha acabado. Levantei as mãos em jeito de desconto de tempo. - Tá bem, Miguel, tá bem. Não me massacres mais com a história da minha estupidez. Estava farto de saber que não se compravam ácidos na Damaia mas naquele dia não me aguentei. Mortifico-me por isso todos os dias. Até sou adepto do Sporting.- Miguel parecia indiferente.Olhou para mim como se me tentasse compreender...ou lamentar.
- Vá lá. Ser adepto do Sporting é muito bom. Dá vários níveis de carma. Pontos preciosos para o próximo resgate. Agora deixemo-nos de tretas e passemos ao que interessa.
- Lá vem trabalhinho, pensei. Eu e os outros ursos como eu, que por uma razão ou por outra tinham falhado a última evacuação da Terra, continuávamos ligados aos nossos companheiros. Trabalhávamos em conjunto, fazíamos o que podíamos por aqui. Quando o Miguel me chamava era porque era preciso fazer qualquer coisa. Trabalhar para pagar a nossa falta cármica e preparar o lugar para a próxima evacuação. Era simples, ou nem por isso. Nada é simples em Portugal. Ir até à Loja do Cidadão e tentar resgatar uma certidão. Lá dentro era como estar num gigantesco mercado galáctico só que as barraquinhas só vendiam papéis, papelada e papelinhos disto e daquilo, repletas de gente à espera da sua vez. Gente é eufemismo. A maioria eram replicantes, acidentes de laboratório, mutantes. Nas barraquinhas estavam andróides, máquinas pouco sofisticadas que gostavam imenso de nos ignorar. Tipo : Faz Favor? e do outro lado conversavam entre si, iam lá dentro, fingiam-se ocupadas. depois, ao fim de nos verem bem deprimidos, abriam um sorriso.Para fazer uma fotocópia tenho que esperar que uma velha replicante se digne a abandonar o balcão de atendimento. Fica lá meia hora à espera ninguém sabe de quê. Talvez que o balcão comece a cantar...ópera. Fiquei sentado entre uma replicante(pernas normais, tronco descomunal a afastar uns braços fininhos que não se conseguiam tocar)e um mutante (jovem com sinalização metálica em torno de uma pálpebra e cabelinho espetado para cima estilo bolo de aniversário). Olho para minha senha depois de ter tirado senha para comprar o documento noutra barraca, antes de ir buscar a fotocópia lá abaixo ao piso 0 porque a máquina não sei quê... Olho para o quadro em plena "rábula do papel" (Gato Fedorento). Sessenta e tal gajos à minha frente. Uma tardezinha inteira já ninguém me tira. Tenho três AVCs, dois ataques de ansiedade e uma depressão que me põem a arfar que nem velho asmático. Mando SMS para amigos, leio Os Lusíadas três vezes na Casa Da Moeda, faço-me sócio da Associação Protectora ds Rafeiros, preencho o formulário do BI de uma cigana que me queria ler a sina. "Não lê nada, deslargue-me da mão. Irra!" Finalmente, muitas luas volvidas, o milagre. Chega a minha vez. Faço-me de patareco, o meu cão tem asma e a minha tia é tuberculosa e até eu já não me estou a sentir nada bem. O andróide tem pena de mim, tira os óculos de mocho e consola-me. " Vá lá,...não chore. Isto resolve-se, leva é tempo. MUITO TEMPO"
Volto para casa, contacto o Miguel." A certidão que pediste está encaminhada. Não vai ser é tão cedo. Mas já consegui vencer várias barreiras num dia. A propósito, quando é que é o próximo resgate?"
- Isso ainda vai levar o seu tempo...
ARTUR

2 comentários:

redjan disse...

Ainda bem que não foste ainda ! Fica e ajuda car .... a saber rir de porra de caminho nenhum, a dizer palavras que bem bebidas dão mais alento que genuina cadela ! Fica Art .. ou diz-me onde é a paragem também !!

Artur Guilherme Carvalho disse...

Deixa lá que quando eu fôr, tu vais comigo.
ARTUR