A REVOLUÇÃO DO ROCK RENDEZ VOUS
R. Ricardo Espírito Santo
Uma produção Terra Líquida Filmes
para a RTP2
Portugal, 2014
No final dos anos 70 o país está
a braços com o vazio, entalado entre os restos de um tempo antigo e os
primeiros esforços de construção de uma nova realidade que a revolução permitiu
acontecer. Uma crise económica faz acelerar outras tantas sociais e políticas.
Nesse meio tempo em que pouca ou nenhuma nitidez se consegue vislumbrar a rádio
é ocupada por música de cariz político, estilos pseudopopularucho ou pela MPB (Música Popular
Brasileira). Os jovens dessa época vêm-se confrontados com um marasmo e uma
lentidão que não lhes pertence, querem outra coisa. Se por um lado Portugal
necessitava de construir o que nas décadas de 60 e 70 não tinha sido feito, por
outro o tempo não parava trazendo sempre novas modas, sucessivos movimentos
artísticos e culturais. De repente aconteceu um espaço em plena cidade. Um
cinema antigo onde passavam filmes de cine clube transforma-se num clube de
Rock, o Rock Rendez Vous (RRV) , espaço que rapidamente se torna o símbolo
de uma das mais interessantes e profundas revoluções culturais de sempre na
música e na cultura portuguesas marcando definitivamente gerações de músicos,
compositores, críticos, radialistas e público em geral.
Com realização de Ricardo
Espírito Santo este trabalho documental produzido pela Terra Líquida Filmes
para a RTP2 vem finalmente preencher uma enorme lacuna que faltava na história
documentada da cultura portuguesa da década de 80. Com testemunhos dos
principais protagonistas, desde Zé Pedro até Adolfo Luxúria Canibal, passando
por Rui Reininho, João Peste ou Rui Pregal da Cunha, passando por homens da
rádio (Luís Filipe de Barros), jornalistas (Miguel Cadete do Blitz) e fotógrafo
(Rui Vasco) vamos atravessar 40 minutos de boa disposição e autenticidade nesta
viagem a um tempo em que Lisboa estava no eixo das capitais do mundo no que à
música dizia respeito.
E pergunta-me o leitor mais
desconfiado: “Tanto barulho por causa de uma casa de espectáculos?” E eu
respondo: “Todo o barulho será pouco para explicar a importância e a relevância
que esse cinema convertido em sala de música ao vivo conseguiu ter na história
da música portuguesa. “ Passo a explicar.
Em primeiro lugar, a existência
de um espaço próprio para tocar música ao vivo permitiu e reforçou a descoberta de que era possível fazer Rock em português. Não só era possível
como se tornou rapidamente um fenómeno popular, levando os maiores êxitos a
serem cantados por pessoas que nada tinham a ver com aquele género de música.
Isso e uma comunidade radiofónica que se multiplicava em passar música
portuguesa, facto de que hoje estamos a milhas de distância.
Em segundo lugar, a existência
desse espaço permitiu que um número enorme de bandas e projectos tivessem a sua
oportunidade, acabando o tempo e o público por fazer a sua selecção natural.
Deste modo a qualidade acabaria por se revelar de forma inevitável.
Abrangendo um horizonte que irá
desde aqueles que hoje estão no princípio dos 60 até aos que já contam 40 e
muitos anos, o RRV era também um lugar que não fazia distinções. O único
requisito exigido era ter o dinheiro para um bilhete. De resto tudo podia
acontecer sendo a fauna dos espectadores marcada pelas bandas que actuavam,
desde psicadélicos a punks, skins a hard rock, passando por surrealistas,
metálicos e góticos.
Durante toda a década de 80 o RRv
cumpriu a sua missão de serviço público até que entrou em modo decadente e
acabou por fechar portas já no início dos anos 90. Isolado do centro da cidade
foi perdendo espaço para o Bairro Alto e a Avenida 24 de Julho. Por outro lado
muitas das bandas que pisaram o seu palco em noites de enorme magia acabaram
por passar a palcos maiores e a editoras multinacionais.
Estreado em sinal aberto no mês
de Fevereiro, A REVOLUÇÃO DO ROCK RENDEZ VOUS é não só um excelente
documentário televisivo como um elemento histórico fundamental que complementa
o tempo e a geração que foi jovem entre uma revolução política e a entrada na
União Europeia. Aguardemos para breve a edição do respectivo DVD. Um excelente
momento de serviço público.
Artur
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