O mito só se torna legível quando
explode no interior do Ser em absoluta significação. A lenda só se consegue
aceitar desde que seja a sinceridade a construí-la. De mitos e de lendas vivem
os povos, de mitos e de lendas se distinguem uns dos outros. A História faz-se
daquilo que consegue atravessar o tempo e chegar ao presente. Documentos,
objectos, construções, imagens, testemunhos…o que não chegar ao presente nunca
aconteceu.
Em Portugal somos únicos a lidar
com a morte, a tragédia, a adversidade em geral. Encenamos a morte em
espectáculos seculares como a tourada com a possibilidade sempre presente dela
aparecer. A tragédia, gostamos de a cantar desde as cantigas de amigo da Idade
Média. Como se ao aproximar o sofrimento conseguíssemos melhor suportar a dor.
Talvez por isso sejamos o único povo que conta anedotas em velórios sem que
isso signifique nenhum desrespeito pelo defunto.
A batalha de La Lys (9 de Abril
de 1918) foi talvez uma das piores tragédias colectivas a que estivemos
sujeitos durante o século XX. A nossa participação na I Guerra Mundial não
terminará nesse dia mas a força do CEP será praticamente insignificante a
partir daí dado o peso enorme das baixas verificadas.
Situado numa intersecção de
estradas no sector português da Flandres, entre Lacouture e Neuve Chapelle
encontrava-se a figura de um Cristo na cruz, elemento familiar de quem por ali
passava todos os dias. Em 9 de Abril de 1918, com a ofensiva alemã todo aquele
sector foi fortemente fustigado pela artilharia. No final do dia a imagem
perdera parte das pernas, uma das mãos e tivera o peito trespassado por uma
bala. Embora tombado o Cristo permaneceu no mesmo lugar. Se o Cristo ficou
naquele estado imagine-se os soldados. Mais de 7500 morreram naquele dia.
Em 1958 o Governo Português
solicitou ao Governo Francês que deixasse vir a imagem do Cristo para Portugal.
Foi o que aconteceu a 4 de Abril de 1958. Dias depois a imagem seguiria de
carro para a sua morada definitiva, o Mosteiro de Santa Maria da Vitória (ou,
muito simplesmente da Batalha).
Sobre o túmulo do Soldado
Desconhecido ali ficou, tal e qual como terminou o dia 9 de Abril de 1918, a imagem de um Cristo
companheiro dos nossos soldados.
Num local simbólico para a
nacionalidade portuguesa o anónimo cidadão repousa aos pés de um Cristo que se
manteve de pé como uma esperança, um conceito de Paz num cenário negro e
aterrador de irracionalidade.
Artur
3 comentários:
Irmão, uma vez mais levanto-me para agradecido, saudar a tua generosidade em partilhares estas coisas.
Só não concordo que digas que somos o único povo capaz de contar anedotas num velório sem faltar ao respeito ao defunto.
Nisso, os anglo-saxonicos são impartíveis e até fazem grandes repastos onde confraternizam e recordam o defunto.
Assim de repente, lembro-te o memorial do Graham Chapman, a despedida mais emotiva e fantasticamente hilariante que já vi.
http://youtu.be/fsHk9WC7fnQ
Impartíveis, talvez, mas era imbativeis
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