Tenho fases em que desisto de
ouvir, outras em que deixo de dizer (ou escrever, vai dar ao mesmo). Nessa
altura só me apetece ficar em casa a ouvir musica e a ver filmes. Em solidão
vou ouvindo o que os outros disseram, não no momento em que falaram mas na
altura em que os quis ouvir. E essa é a grande virtude do processo criativo.
Uma estrutura infinita de prateleiras para onde vão convergindo os conteúdos
artísticos, uma espécie de memória colectiva universal em forma de biblioteca.
No seu silêncio ficamos mais disponíveis, mais receptivos e, o nosso
enriquecimento é mais profundo. Precisamente quando deixamos de querer ouvir ou
de dizer. A armadilha da actualidade e da moda é das piores doenças que
destroem uma alma criativa. Porque não saiu com a força desejada, porque não
foi entendida por um número suficiente de gente. A ansiedade e a desilusão
rapidamente se combinam para minar a auto-estima e a vontade de continuar. Mas
tudo é uma treta pegada se exceptuarmos o momento em que se está a praticar a
criatividade. Sem que seja necessária uma confirmação do exterior sabemos se o
que estamos a produzir vale alguma coisa. Se valer, será válido pela
eternidade. O seu reconhecimento é que poderá não ser imediato, mas isso
depende de uma infinidade de factores.
Há momentos em que desisto de
escrever apenas porque não me apetece, porque não tenho nada a dizer, porque
não consigo ouvir. Nessa altura prefiro ficar sentado à espera de ser encantado
pelo trabalho de alguém. O silêncio preenche-se com som, o escuro do buraco
negro com imagens e o Ser com harmonias alheias. Não interessa que não entendam
o que dizemos, o que escrevemos. Alguém há-de entender um dia. Não interessa
que as nossas quotas não sejam válidas no clube do “que está a dar”. Daremos
aquilo que temos para dar pela mesma razão que só morreremos no momento em que
tivermos que morrer. O mundo será exactamente o mesmo que era antes de
nascermos, seja a nossa obra reconhecida ou não.
Por excesso de visitas ao blog e
uma falta imensa de número de comentários correspondente já pensei colocar uma
fotografia da Ciciollina com um cavalo para a provocação. Para choverem
comentários e manifestações críticas do mau gosto. Mas, vendo melhor, não o vou
fazer. A vida não é (nunca foi) tão séria como isso, do mesmo modo que ninguém
me pediu para dizer/escrever coisa nenhuma. Se e quando o faço é porque me
apetece sem pretender agradar a ninguém em específico. Escrevo como respiro
porque essa é a minha natureza desde sempre. Se não escrevo começo a inchar por
dentro correndo o risco de rebentar. E como gostava de deixar mais um ou dois
títulos antes de me pôr a andar deste campo de concentração mal frequentado vou
nivelando o “inchaço” para não rebentar de vez. Vou gerindo as pausas e os
tempos do silêncio inspirando-me nos sons e nas imagens dos outros. Atravesso o
rio sabendo que é impossível chegar ao outro lado sem molhar os pés. Digo bom
dia à Ciciollina e que admiro muito a sua obra principalmente aquelas imagens
com um cavalo. Brinco com o gato, faço cócegas ao sobrinho e pelo caminho vai
saindo um romance. Heterodoxo, explodido, disperso, caótico, vai saindo
qualquer coisa “em forma de assim” como escreveu o O’Neil. Um sermão que se
converte num testamento para as novas gerações. Ou será um testemunho, uma
prova de vida de três gajos da minha idade com as fronteiras dos neurónios
todas queimadas? Uma história de amores e depressões, aprendizagens a acções
radicais. Uma prova de que existimos uma vez, que cá andámos, um sinal para
garantir a reforma no livro das gerações? Sei lá. Só sei que já me apaixonei
pelos personagens, que me apaixonei pela sua história, pela sua juventude, pela
sua maneira de passar pela vida. Agora tenho a certeza de que “temos romance”.
Só não sei quando. Depois faz-se uma festa, juntam-se família e amigos, dão-se
autógrafos e depois, nada. Tudo volta ao normal, à vidinha do costume como se
nada se tivesse passado. Voltarei às minhas vontades de desistir, a ficar
autista em relação ao mundo e a regressar à biblioteca onde os silêncios e o
ecran escuro se desenham com os sons e as imagens daqueles que como eu, fizeram
uma festa, juntaram família e amigos, deram autógrafos e depois, nada.
Artur
5 comentários:
Há quem acredite naquela teoria, segundo a qual a deslocação de ar provocado pelo bater de asas de uma borboleta num qualquer país do Golfo da Guiné, pode dar origem a um furacão do outro lado do Atlântico .
Não sei se acredito nisso.
Mas acredito na interligação das coisas e que a nossa passagem por este lado deixa um pouco mais que a deslocação de ar.
E tu, meu amigo és mais que uma borboleta gigante.
Enorme abraço.
Chôr Éldrio,
Obrigado pelas tuas palavras. Já começa a faltar a tua presença do lado de cá da barricada. Vamos lá. Um abraço.
Artur, fazes toda a diferença na minha vida no que dizes, no que escreves e no que fazes,desde o primeiro ao ultimo livro, da primeira à ultima palavra , dita ou escrita, mesmo quando é só para me mandares calar.
Que venham muitos,e não te atrevas a adivinhar quantos. Deixa sair, todos os que tiverem ganas para o fazer.
Abraços a estalar.
Muito obrigado minha amiga. Assim secas-me as palavras. Bjs
Toca a escrever Artur e depois, tudo :)
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