sábado, 7 de junho de 2014

E DEPOIS, NADA

Tenho fases em que desisto de ouvir, outras em que deixo de dizer (ou escrever, vai dar ao mesmo). Nessa altura só me apetece ficar em casa a ouvir musica e a ver filmes. Em solidão vou ouvindo o que os outros disseram, não no momento em que falaram mas na altura em que os quis ouvir. E essa é a grande virtude do processo criativo. Uma estrutura infinita de prateleiras para onde vão convergindo os conteúdos artísticos, uma espécie de memória colectiva universal em forma de biblioteca. No seu silêncio ficamos mais disponíveis, mais receptivos e, o nosso enriquecimento é mais profundo. Precisamente quando deixamos de querer ouvir ou de dizer. A armadilha da actualidade e da moda é das piores doenças que destroem uma alma criativa. Porque não saiu com a força desejada, porque não foi entendida por um número suficiente de gente. A ansiedade e a desilusão rapidamente se combinam para minar a auto-estima e a vontade de continuar. Mas tudo é uma treta pegada se exceptuarmos o momento em que se está a praticar a criatividade. Sem que seja necessária uma confirmação do exterior sabemos se o que estamos a produzir vale alguma coisa. Se valer, será válido pela eternidade. O seu reconhecimento é que poderá não ser imediato, mas isso depende de uma infinidade de factores.
Há momentos em que desisto de escrever apenas porque não me apetece, porque não tenho nada a dizer, porque não consigo ouvir. Nessa altura prefiro ficar sentado à espera de ser encantado pelo trabalho de alguém. O silêncio preenche-se com som, o escuro do buraco negro com imagens e o Ser com harmonias alheias. Não interessa que não entendam o que dizemos, o que escrevemos. Alguém há-de entender um dia. Não interessa que as nossas quotas não sejam válidas no clube do “que está a dar”. Daremos aquilo que temos para dar pela mesma razão que só morreremos no momento em que tivermos que morrer. O mundo será exactamente o mesmo que era antes de nascermos, seja a nossa obra reconhecida ou não.
Por excesso de visitas ao blog e uma falta imensa de número de comentários correspondente já pensei colocar uma fotografia da Ciciollina com um cavalo para a provocação. Para choverem comentários e manifestações críticas do mau gosto. Mas, vendo melhor, não o vou fazer. A vida não é (nunca foi) tão séria como isso, do mesmo modo que ninguém me pediu para dizer/escrever coisa nenhuma. Se e quando o faço é porque me apetece sem pretender agradar a ninguém em específico. Escrevo como respiro porque essa é a minha natureza desde sempre. Se não escrevo começo a inchar por dentro correndo o risco de rebentar. E como gostava de deixar mais um ou dois títulos antes de me pôr a andar deste campo de concentração mal frequentado vou nivelando o “inchaço” para não rebentar de vez. Vou gerindo as pausas e os tempos do silêncio inspirando-me nos sons e nas imagens dos outros. Atravesso o rio sabendo que é impossível chegar ao outro lado sem molhar os pés. Digo bom dia à Ciciollina e que admiro muito a sua obra principalmente aquelas imagens com um cavalo. Brinco com o gato, faço cócegas ao sobrinho e pelo caminho vai saindo um romance. Heterodoxo, explodido, disperso, caótico, vai saindo qualquer coisa “em forma de assim” como escreveu o O’Neil. Um sermão que se converte num testamento para as novas gerações. Ou será um testemunho, uma prova de vida de três gajos da minha idade com as fronteiras dos neurónios todas queimadas? Uma história de amores e depressões, aprendizagens a acções radicais. Uma prova de que existimos uma vez, que cá andámos, um sinal para garantir a reforma no livro das gerações? Sei lá. Só sei que já me apaixonei pelos personagens, que me apaixonei pela sua história, pela sua juventude, pela sua maneira de passar pela vida. Agora tenho a certeza de que “temos romance”. Só não sei quando. Depois faz-se uma festa, juntam-se família e amigos, dão-se autógrafos e depois, nada. Tudo volta ao normal, à vidinha do costume como se nada se tivesse passado. Voltarei às minhas vontades de desistir, a ficar autista em relação ao mundo e a regressar à biblioteca onde os silêncios e o ecran escuro se desenham com os sons e as imagens daqueles que como eu, fizeram uma festa, juntaram família e amigos, deram autógrafos e depois, nada.


Artur

5 comentários:

Hélder disse...

Há quem acredite naquela teoria, segundo a qual a deslocação de ar provocado pelo bater de asas de uma borboleta num qualquer país do Golfo da Guiné, pode dar origem a um furacão do outro lado do Atlântico .
Não sei se acredito nisso.
Mas acredito na interligação das coisas e que a nossa passagem por este lado deixa um pouco mais que a deslocação de ar.
E tu, meu amigo és mais que uma borboleta gigante.
Enorme abraço.

Artur Guilherme Carvalho disse...

Chôr Éldrio,
Obrigado pelas tuas palavras. Já começa a faltar a tua presença do lado de cá da barricada. Vamos lá. Um abraço.

elbett disse...

Artur, fazes toda a diferença na minha vida no que dizes, no que escreves e no que fazes,desde o primeiro ao ultimo livro, da primeira à ultima palavra , dita ou escrita, mesmo quando é só para me mandares calar.
Que venham muitos,e não te atrevas a adivinhar quantos. Deixa sair, todos os que tiverem ganas para o fazer.
Abraços a estalar.

Artur Guilherme Carvalho disse...

Muito obrigado minha amiga. Assim secas-me as palavras. Bjs

Clarice disse...

Toca a escrever Artur e depois, tudo :)