terça-feira, 24 de janeiro de 2012

CASTA CONCORDIA



Para todos aqueles que consideram que "uma imagem vale mais que mil palavras", repetindo até à exaustão um dos "clichés" mais vazios e imbecis produzidos pela cultura moderna, aqui vai uma caterva de palavras sobre esta imagem : À esquerda aparecem três ministros, destacando-se em primeiro plano, casta "ma non troppo", sua exa. cristas, cujas costas são guardadas por uma vasta seita de arrastadeiras (secretários de estado, assesores, adjuntos, cod-adjuvantes, etc.), entre a senhora e o primeiro aparece a cabecinha do álvaro, impaciente para ir comemorar o feito com dúzias de pastéis de nata. Pontuam ainda representantes do patronato com o seu sorriso de hienas (como se sabe, as hienas são animais que se alimentam de cadáveres, têm relações sexuais uma vez por ano e riem muito, não se sabe de quê, dados os seus hábitos alimentares e sexuais); ao centro, o chefe do gang e o patrão dos patrões apondo assinatura no tratado de corrupção social; do lado direito, o velho sindicalista olha para outro lado, com um ar angustiado, distanciando-se já do resto da matilha e do acontecimento em que participou. Este acontecimento foi classificado como "histórico", e com razão: ficará reservado para aquela dimensão histórica na qual se acumulam os detritos, ou seja, o lixo.
Parece um dado adquirido pacificamente que a Ética e a Política modernas são incompatíveis, tendo-se inventado as Constituições para regular jurídica e normativamente o funcionamento das sociedades, evitando que as falhas éticas as transformem em selvas. É aquilo que a literatura política anglo-saxónica designa como "rule of law" (rulóló para o gasparzinho e comparsas), sagrando-se o texto constitucional como garante do estado ético e axiológico de qualquer sociedade, isto é, dos padrões de valores dominantes. Ora, a nossa Constituição coloca o valor do trabalho acima de qualquer outra instância (seja ela financeira, económica, ou outra), definindo-se este pseudo-acordo como subversão deste valor, confirmando aquilo que já sabíamos: que para esta gente adventícia e rasteira a Constituição é letra morta, um empecilho, o último dique que evita que sejamos completamente submergidos pela nojenta agenda ultraliberal que pretendem impôr. Para sermos benévolos, devemos acreditar que os figurantes desta imagem sorriem porque não são totalmente desprovidos de auto-consciência : riem-se da farsa que ajudaram a montar e da qual foram eminentes protagonistas ; os farsantes devem sorrir para que a máscara não traia o que lhes vai na alma. Se não formos caridosos, podemos pensar que sorriem na antevisão dos empregos que os colegas de farsa não deixarão de lhes garantir, eternamente gratos pelo serviço que lhes foi prestado. Se esta gente soubesse ler, aconselharia a leitura de uma obra escrita clandestinamente no século XIX por Maurice Joly, intitulada "Diálogo no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu". Como o próprio título indica, trata-se de uma conversação entre o autor de "O Príncipe" e o autor de "O Espírito das Leis", cabendo ao primeiro a defesa dos desmandos de Napoleão III ( o mesmo que inspirou a Marx a frase "Todos os factos e personagens de importância histórica ocorrem, por assim dizer, duas vezes: a primeira como tragédia, a segunda como farsa"), e a reafirmação do seu desprezo pelo povo, e a Montesquieu proclamar a necessidade de princípios éticos e morais na vida política. Aliás, todo o diálogo se transforma num combate dialéctico entre a força e a lei, a astúcia e o direito, o interesse e a moral, concluindo Montesquieu que, para serem felizes, os povos necessitam mais de homens íntegros do que de homens geniais. Os homens geniais que nos governam chafurdam na miséria moral, reservando para o povo a miséria material. Nesse sentido, o actual regime político português é apenas uma imensa pocilga onde chafurdam gerontes, plutocratas e aventesmas cheias de teorias económicas do século passado, adoradores de Maimona e gentalha sem princípios nem escrúpulos.

1 comentário:

José Prates disse...

Muito bem escrito, como aliás é apanágio deste ainda lenhador da nossa língua pré-acordada, com algumas verdades indiscutíveis mas também toldado pela revolta que se aloja algures entre o estômago e o fígado. Recomendo portanto o desvio desta energia para o Hara de modo a ultrapassar os malefícios inerentes ao estado aqui demonstrado.