quarta-feira, 27 de julho de 2011
O REGRESSO
(Imagens da cerimónia militar a três militares mortos em combate depois de transladados da Guiné, 2011. Autoria: António Carmo)
E um dia, finalmente, eles voltaram. Voltaram ao espaço onde nasceram e cresceram, voltaram para o pé da família, voltaram muito tempo depois de cumprida a sua obrigação imposta por quem não cumpriu a sua parte. A TAP e a Liga dos Combatentes organizaram o repatriamento de soldados mortos em combate várias décadas depois. Eram de famílias pobres que não podiam pagar a transladação dos seus restos mortais. Eles cumpriram a sua parte, a Pátria abandonou-os no anonimato da terra africana. A mesma Pátria que os foi buscar a casa e os obrigou a participar numa guerra em seu nome. A Pátria, muito rápida a recrutar e a incorporar nas suas fileiras para mandar combater; a Pátria, muito rápida a olhar para o lado e a esquecer os que combateram por ela. Se não fossem as famílias dos mortos e os camaradas vivos, esses seres incómodos que insistem em recordar o que se passou, ninguém quereria saber.
Mas não é de hoje nem de ontem. Já com os soldados da I Guerra tinha sido a mesma coisa. As guerras são recordações incómodas neste país. Servem enquanto duram os interesses de todos menos dos que as fazem, sacrificam os filhos que não se conseguem baldar, poupam os bem nascidos, os “espertos”, os com bons contactos. As histórias que haveria para contar sobre todos eles daria um livro quase infinito. Se mais lições não houver a retirar desta geração que vai desaparecendo com o passar do tempo, olhemos para os mais novos e relembremos um diálogo provável entre pai e filho.
- Roubaram-nos o futuro pai… à nossa geração.
- E a mim? Julgas que nos deram alguma coisa? Qual foi a geração a quem não roubaram o futuro? Conheces alguma?
Observemos o rosto de dois pais nas cerimónias do 10 de Junho no final da década de 60. Acabados de receber as medalhas em nome dos filhos mortos em combate, assistem ao toque de silêncio. Como homens, tentam engolir as lágrimas…mas não conseguem disfarçar o desespero da tristeza.
Da próxima vez (porque vai haver próxima vez, não haja dúvidas acerca disso), vai voltar a tocar a mesma musica. O discurso patriótico ou faccioso, todo o manual do absurdo saltará da caixa para convencer os mais novos que é preciso morrer. Mas só alguns, claro.
Da próxima vez, a Pátria estará a olhar para os mais novos e a cantar-lhes a mesma cantiga. Sejamos corajosos então, nesse momento.
Artur
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3 comentários:
Se os procurarmos pelo Mundo, há inúmeros Cemitérios de Guerra erigidos nos locais dos combates com milhares de campas dos que ali combateram e caíram.
Há aqueles que são mais conhecidos, mesmo locais de romagem e de visita turística, na Normandia (WW2) ou na Flandres (WW1). Há-os mesmo em locais tão remotos como Tobruk na Líbia (http://www.libyantravels.com/Cemetries.htm), emparelhando na morte britânicos, indianos, australianos, neozelandeses e sul africanos.
É por isso que acredito que há mais qualquer coisa neste esforço de trazer os mortos das Guerras 40 anos depois - será por embaraço pelo esquecimento a que os mortos foram votados? será porque as suas campas em África poderem tornar-se símbolos que recordam a nossa derrota?
Os alemães mantêm os seus cemitérios militares em França e, a partir de 1991, começaram a tentar criar os seus na Rússia, junto aos grandes campos de batalha (no Kursk - http://en.rian.ru/analysis/20050503/39789438.html), sem qualquer complexo...
Um dos principais problemas neste caso concreto, é que se demorassem a passar mais um ano ou dois, nem local, nem vestígio das campas envolvidas em capim, deixadas ao abandono. Ao contrário dos exemplos europeus que referiste, estes restos mortais foram quase resgatados do anonimato da terra por uma equipa de arqueólogos. Na Guiné andaram a juntar vários no mesmo local para melhor os conseguir preservar e sinalizar. Era escolher entre haver memória ou memória nenhuma.
Infelizmente a maioria tem memória curta (falo também por mim, que raiva!...) e quando se deixa de falar nas coisas, quando as coisas caiem no esquecimento, a história branqueia. E inquestionavelmente, repete-se. Normalmente no que tem de pior. Anda-se de ciclo em ciclo, de sucessões idênticas, como as que têm acontecido em Portugal, desde que o é, desde a sua independência até à história mais recente, pós 25 de Abril...
Milhões têm morrido em guerras. Para quê? Como se as suas vidas não tivessem qualquer valor. Normalmente votados ao esquecimento, como se fossem simplesmente qualquer coisa perfeitamente descartável. Bonecos numa mesa de matraquilhos, manipulados por meia dúzia de alarves.
O bem mais valioso de todos é a Vida. Precioso de mais, para se desperdiçar em nome daquilo que nos dizem que é importante, desde que nascemos, como a religião ou a pátria. Dar valor à Vida, acima de tudo, com respeito pelos outros e por todos, deveria ser o Acto Sagrado. Digo eu, cada vez mais "um incrédulo"...
É em nome de "Deus" e da "Pátria" que se cometem as maiores injustiças e atrocidades.
Os sacrifícios que os crédulos fazem, os alarves agradecem. Desde sempre...
Abraço!
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