terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
O MANUAL DE ORWELL
Todos os dias a sineta apita no alto da torre para chamar a atenção da manada. Após o pio estridente e ensurdecedor, o tema para gritar. “Idosos mortos em casa, solidão, abandono, maus-tratos”. E é ver a manada organizada a girar em círculo e a gritar palavras de indignação e censura. “Uma vergonha. Um escândalo. Não há direito”. E é ver quem mais se esganiça. Para a semana a sineta vai voltar a apitar e a dar outro mote para fazer girar a manada. Antigamente a religião e o futebol davam conta do recado. Hoje, à conta do progresso e da evolução, as massas precisam de meios mais convincentes. Televisões formatadas que em alinhamentos diferentes transmitem as mesmas notícias, estações de rádio que alinham a mesma lista de músicas num espírito de “vira o disco e toca o mesmo”. Não há espaço para propostas diferentes, para pessoas diferentes. A diferença não cabe nestes dias cinzentos e tristes de formatação diária. As pessoas não têm tempo para decifrar a informação, para distinguir um ruído diferente no meio da algazarra que a bombardeia constantemente.
As crianças vão continuar a nascer no meio da estrada dentro de ambulâncias dos bombeiros, os velhos vão continuar a morrer sozinhos em casa, os deficientes vão continuar a ser ignorados nos dias em que não pagam impostos, os veteranos de guerra vão continuar a ser esquecidos como uma parte incómoda da sociedade, a cultura vai continuar a pertencer a um feudo de hipócritas ciosos de defender a sua quinta onde “não é permitido o acesso a pessoas estranhas”, as gerações mais novas vão continuar a ser exploradas pelas mais antigas, as populações vão continuar a sua caminhada do interior para os grandes centros urbanos, os cidadãos vão perdendo a sua cidadania alienados em tudo o que não interessa.
Uma vaga especulativa e sem rosto decide o futuro das nações, extingue os princípios da soberania, verga os povos a uma situação de escravatura. A periferia europeia é um dos alvos perante a passividade de Bruxelas, enredada na sua teia burocrática, preocupada apenas em reduzir direitos, diminuir garantias, exterminar os mais fracos. Todos os problemas se resumem nas regalias do trabalho. Do trabalho, e só do trabalho. Milhares de magrebinos “invadem” o Sul de Itália e são recebidos por uma força policial de província que pede desesperada uma resposta das autoridades europeias. O sistema do novo cartão do cidadão falhou na adequação à rotina dos eleitores. Milhares não conseguiram votar. A costa portuguesa está desprovida de sistema de radar que já devia estar a funcionar há meses. Resposta: “Os idosos pá, a solidão, a geração da casa dos pais, o futebol, o casamento do príncipe.” Desampara-me a loja que o tempo é pouco para te roubar uma vida inteira e ainda estar sempre a imaginar maneira de te distrair…”
Artur
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2 comentários:
Esta "casa" onde moramos está tão desarrumada e tão ruidosamente abandonada... ver mais longe, é começar pela nossa rua...andamos tão distraídos com os outros...
Assim é, Clarice. Assim é...
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