De uma forma ou de outra, todas as gerações têm um acordar trágico para a vida, no momento em que começam a desempenhar a sua cidadania. Desperdiçadas em guerras, esfomeadas e sem trabalho durante crises económicas, exploradas por toda e qualquer falta de escrúpulos, sodomizadas (para usar um termo técnico) até ao fundo da dignidade, basta para isso serem novas e, portanto, mais fracas, para ficarem à mercê do egoísmo das gerações mais velhas. Os “Deolinda” não descobriram mais nada a não ser uma regra tão antiga como a sociedade humana. Todos temos reclamações a fazer, todos temos queixas a apresentar, todos temos raivas contabilizadas contra… nós mesmos. Quem abre os olhos a levar socos e pontapés, se quiser sobreviver tem que “abrir a pestana”, fechar os punhos e lutar contra tudo e todos em busca do seu lugar no mundo. A vida torna-se um imenso campo de combate que, de tão intenso e permanente, acaba por nos tornar egoístas, avarentos, malandros, numa filosofia de não deixar nada para os outros. E assim se forma esta espiral de egoísmo que esquece os velhos e explora os novos. Castigando os que castigaram e explorando porque foram explorados. Haverá legisladores e políticos teóricos que tentarão produzir leis baseadas na boa vontade e na tendência natural da bondade do “bom selvagem “ de Rousseau. Não direi que era um iludido ou sequer alguém com fraca noção da realidade. Porque também há seres humanos bons. Seres generosos, de uma consciência elevada que entendem que o mundo só pode evoluir em solidariedade, dando a mão ao próximo, ajudando em vez de criticar, ensinando em vez de exigir, ganhando o respeito dos outros de uma forma natural, autêntica. Mas esses são a ínfima minoria que não chega a lado nenhum, que pouco ou nada manda, que pouco ou nada decide.
Se pegarmos numa família de três gerações diferentes, vamos encontrar em todas um saco cheio de queixas, de mortos (e aqui digo literalmente: “mortos”) a lamentar e, principalmente, a convicção de cada uma de que no seu tempo é que era tudo pior. Dificilmente três gerações diferentes estarão de acordo em relação a quem sofreu mais, em tentar admitir qualquer tipo de sofrimento que não seja o seu.
O avô combateu na guerra colonial, o pai andou anos em trabalhos precários, o filho ouviu os “Deolinda” no Coliseu do Porto. Todos e nenhum tem razão. As pessoas boas e generosas devem ser tratadas com disponibilidade, afecto e, principalmente, respeito.
Os filhos da puta devem ser tratados como filhos da puta, sem reservas. E todas as gerações têm elementos dos dois lados.
Artur
2 comentários:
gostei muito desse texto.
;D
báh.
Aceitam-se posições contrárias. estamos num blog democrático.
Enviar um comentário