terça-feira, 12 de outubro de 2010

Angelus Novus, Walter Benjamin e a Corja


“Não é um pobre povo; resiste aos profetas da desgraça e à própria desgraça”

Raul Brandão

“…e escutar os rumores do dia como se fossem os acordes da eternidade”

Karl Kraus



Nos dias que correm ,assistir aos telejornais ou ler os jornais portugueses transformou-se num exercício penoso, humilhante, nauseante e até vomitivo. A culpa é de um conjunto de paineleiros que se perpetuam até à exaustão e que vão rodando pelos diversos canais televisivos e pelos jornais diários e semanais, repetindo os mesmos lugares comuns (bem dizia Roland Barthes que a estupidez é a euforia do lugar…), martelando os teleouvintes com o mesmo discurso catastrofista, profetizando a desgraça. Esta seita do “prognóstico só no fim do jogo” ocupa-se e ocupa-nos com predições sobre o presente e baboseiras sobre o futuro, o que diz tudo sobre o carácter dos seus conhecimentos. Pena é que não os tenhamos visto nem ouvido antes da tempestade rebentar, ocupados que estavam em cuidar das suas vidinhas. Conhecemos bem os buracos de onde rastejaram : bancos e administrações públicas e privadas, consultadorias diversas e todas as prebendas, sinecuras e privilégios que conseguiram assegurar na sua longa e promíscua relação com uns e outros, sempre sentados à manjedoura dos dinheiros públicos, sempre prontos para se porem em bicos de pés para chegarem um pouco mais à frente na corrida às migalhas que caem do Orçamento de Estado. O mesmíssimo Estado a quem ladram quando as coisas correm bem, isto é, quando exigem menos intervenção e regulação estatal desde que as negociatas encham os bolsos dos seus patrões e correm a pedinchar apoios estatais quando as coisas descambam. Veja-se, a este propósito, a intervenção do Estado no BPN e no BPP e o aval dado aos restantes. São estas mesmas luminárias que não se cansam de culpar os funcionários públicos, os pobres e os desapossados pela crise actual, esquecendo os crimes de banqueiros, especuladores e financeiros cujas práticas lançaram milhões de pessoas na miséria e que continuam a lançar sobre as sociedades e sobre a política o pus execrável das suas acções. Compreende-se bem este silêncio : não convém morder a mão do dono que nos alimenta. Convirá também referir que todas estas criaturas, sem excepção alguma, fizeram parte dos sucessivos governos que, devido às más práticas, contribuíram enormemente para esta situação: foram eles que ao longo das últimas três décadas foram tecendo a nojenta teia de interesses, negociatas e branqueamentos que enredaram o Estado e as finanças públicas, manietando a decisão política e remetendo a mais nobre das práticas humanas para um papel de mera serventuária dos interesses privados. Portanto, e a respeito destes imbecis, está tudo dito. Referirei apenas dois exemplos que simbolizam na perfeição a matéria de que esta Corja é constituída: um deles, quiçá o mais evidente, chama-se Medina Carreira e notabiliza-se pelo massacrante discurso tremendista, pontuado aqui e ali por expressões do mais baixo nível, de um enorme mau gosto, boçalidade e vulgaridade. Já pouca gente liga ao conteúdo da sua retórica panfletária, sendo a atenção desviada pelas referias catilinárias e pelos tiques de um fácies que faz lembrar as personagens de certos filmes de terror. O outro, é uma espécie de Nosferatu de terceira categoria, dando pelo nome de Ernâni Lopes ( o tal que, in illo tempore, dançou alegre e servilmente o tango com o FMI) e pertence à clique que, escandalosamente, acumula pensões, reformas e salários milionários, uma delas obtida ao fim de meia dúzia de anos ao serviço do Banco de Portugal. Bem pode agora clamar pela redução de salários em 10, 20 ou 30 %. Do alto da sua superioridade moral e da intocabilidade ética, nunca será afectado por crise nenhuma.
Alonguei-me demais na caracterização da Corja. Resta dizer, para entrarmos naquilo que realmente é significativo, que estes profetas da desgraça, devotos do onanismo , iliteratos ferozes e analfabetos militantes nunca leram uma linha de Walter Benjamin, remédio que eu, de modo benevolente e pedagógico, lhes recomendaria como terapêutica para a doença de que padecem. Assim, e sem mais tardança, comecemos.

O quadro aqui reproduzido foi pintado por Paul Klee e oferecido a Gershom Scholem que, por sua vez, o ofereceu a Walter Benjamin. Ouçamos o filósofo alemão descrever a sua visão do quadro, um dos leit-motivs do fundamental texto “Teses Sobre o Conceito de História”:

“Existe um quadro de Klee que se intitula Angelus Novus. Representa um anjo que parece preparar-se para se afastar do local em que mantém imóvel. Os seus olhos estão escancarados, a boca está aberta, as asas desfraldadas. Tal é o aspecto que necessariamente deve ter o anjo da história. O seu rosto está voltado para o passado. Ali onde para nós parece haver uma cadeia de acontecimentos, ele vê apenas uma única e só catástrofe, que não pára de amontoar ruínas sobre ruínas e as lança a seus pés. Ele quereria ficar, despertar os mortos e reunir os vencidos. Mas do Paraíso sopra uma tempestade que se apodera das suas asas, e é tão forte que o anjo não é capaz de voltar a fechá-las. Esta tempestade impele-o incessantemente para o futuro ao qual volta as costas, enquanto diante dele e até ao céu se amontoam ruínas. Esta tempestade é aquilo a que chamamos progresso”

Por agora fico-me por aqui, ordenando à Corja (e já agora, a um certo Abranhos), o seguinte TPC:

- Relacione o texto de Walter Benjamin com o verso de Karl Kraus “A origem é o fim”.


CONTINUA

2 comentários:

J P Matos disse...

Olá Arnaldo,
Eu escrevinhador habitualmente calado, quero aqui saudar tua feroz acutilância.
Um gd abraço

José Prates disse...

Caro Arnaldo. Falais da corja e tínheis razão mas pecas por encabeça-la por alguém que não lhe pertence. O homem que afrontas tem ao longo de 10 longos anos sido a mais voz activa contra a falta de profissionalismo e pudor que nos tem governado, podendo mesmo ser catalogado como o que mais lutou contra tal. É de todo portanto injusto tentares atribuir a este, que liderou a luta como um dos máximos responsável por tudo o que está mal. De facto estamos muito está mal e pior vamos ficar, mas os principais culpados nem são os gananciosos corruptos que vagueiam pelos corredores da AR, são as gentes que decepção após decepção votam a colocá-los nos poleiros… gentes que perderam a percepção dos valores e acreditam em sei lá o quê... se calhar precisam de se ver com fome a morar debaixo da ponte para se calhar equacionar a cruzinha noutro lugar ou para lutarem noutro sentido…