quinta-feira, 19 de novembro de 2009

DICIONÁRIO DE ESCRITORES - BOWLES, Paul




O marroquino deixou sobre a mesa o copo alto com o chá de menta e uma taça com os cubos de açúcar. Retirou-se com uma espécie de vénia demonstrativa de um respeito que as meras palavras não saberiam expressar. Paul olhou para o copo alto e esguio, elegante, que continha o líquido acastanhado no qual flutuvama folhas e caules de hortelã. Alguns desses caules ainda permaneciam agarrados às raízes das quais se desprendiam pequenas partículas do solo que as tinha sustentado.


O Café Paris era um oásis de tranquilidade no meio da agitada rua árabe, vibrante de vida na luz intensa do meio-dia. Ao contrário do que poderíamos ser levados a pensar, Paul Bowles não apreciava excessivamente os oásis, sabendo como sabia que não existe nenhum oásis onde possamos permanecer para sempre ao abrigo das tempestades. Aliás, o oásis pode ser uma justa metáfora da nossa precária condição: expostos aos elementos, a todas as agressões do exterior, momentaneamente encontramos um canto sossegado onde podemos lamber as feridas e ganhar fôlego para a nova investida. Mas nesse canto, tal como o "boxeur" castigado até ao cerne pelo seu adversário, só podemos permanecer no curto espaço de tempo enre os "rounds": o gongo atirar-nos-à de novo para o centro do ringue onde não poderemos escapar à carga brutal dos punhos que apostam tudo na nossa derrota.


Agora é um ancião, uma sombra do homem esbelto e elegante que, quarenta anos antes, tinha desembarcado em Tânger pensando ter encontrado o oásis. De facto, nunca mais abandonaria essa cidade que para ele não tinha segredos ou, se os tinha, eram daquele género de segredos que toda a gente conhece e que, só por isso, continuam a ser segredos.


Mirou-se no espelho da parede em frente: um mar de rugas, um oceano de cabelos brancos num fato de linho que acusava já o peso das décadas, uns olhos azul-pálido como os olhos de certos cegos que parecem ver, embora nada vejam. Pelo contrário, os seus olhos viam tudo e viam para além das aparências, dos fenómenos da cidade árabe, francesa, espanhol, portuguesa que Tânger era ou fingia ser.





Debra Winger não entrou perdida no café, mas Paul sabia que, atrás de si, se situava a porta por onde ela poderia escapar caso entrasse, ou quando entrasse. Isto, se não morresse antes, ele o único homem capaz de guiar para fora do labirinto do mundo e para dentro do oásis, para o canto de abrigo que se esconde nas traseiras do Café de Paris, no Pequeno Soco, Tânger, Marrocos.