quarta-feira, 8 de julho de 2009

A VIOLÊNCIA NA OBRA DE KUBRICK II

A BRUTALIDADE E O VAZIO 

O que é que mais nos incomoda em LARANJA MECÂNICA? Serão as cenas de violência propriamente ditas, será a súbita inversão de papéis de Alex ( de carrasco a vítima impotente), ou muito simplesmente a ausência total de razão, motivo e justificação para a histérica exploração da brutalidade? A estreia do filme provocou acesa polémica por todo o mundo. Da provocação ao ultraje, passando pela censura e pela admiração incondicional, ninguém lhe conseguiu ficar indiferente. Sobre este filme Kubrick comentou: “ Os altos padrões de moralidade só podem ser alcançados pelo exemplo de pessoas bem pensantes e bem intencionadas, e nunca pelo efeito coercivo das leis. Uma das críticas ouvidas centrava-se no facto de Alex e dos seus companheiros atingirem uma certa felicidade através da dor causada sobre as suas vítimas. Se um herói de “western” matasse todos os seus inimigos na cena final, ninguém se escandalizaria. É preciso vender o doce, não para convencer as pessoas que o doce é de boa qualidade, mas para as libertar da culpa de o comer… No filme de Kubrick as coisas passam-se de um modo diferente, na medida em que nos sentimos culpados, quase cúmplices do bando de Alex. A improbabilidade do universo violento de LARANJA MECÂNCA é uma linha tão frágil como frágil é a barreira que nos separa da loucura. E foi essa breve viagem à possibilidade do nosso inconsciente que incomodou tanta gente.” A sociedade de Alex é uma sociedade massificada, despersonalizada, suburbana, sem brilho nem individualidade. Como ficção futurista trata-se da antevisão de um mundo onde já estamos a viver. Kubrick limita-se a revelar as consequências possíveis desse mundo na sua fase mais extrema. Um mundo que se defende com soluções peregrinas como a da lavagem ao cérebro. Sem admitir o erro nem a prisão que os homens foram construindo, prendendo-se a si próprios. Extirpando o seu próprio mal na convicção de extirpar o mal exterior. Dando um lugar à violência feito de banalidades inevitáveis e de indiferença. Numa palavra, o esmagamento civilizacional, esmagando o próprio indivíduo, desenvolvendo as suas piores capacidades destrutivas. Um paradoxo sem saída que justifica o próprio distanciamento de Kubrick. Distanciamento de impotência para mudar, ou sequer explicar o fenómeno na sua plenitude. Por isso Alex, Barry Lindon e Jack Torrence (SHINING) não são integralmente culpados nas parábolas dos seus mundos, das suas civilizações. CONCLUINDO 

A obra de Kubrick está longe de se apresentar como ilustração de uma tese. Ela aparece na sua diversidade e complexidade como uma criação visionária e pessimista de rara intensidade poética, épica e existencial. Nada do que é objecto do temor na natureza humana lhe é estranho: a ordem, a tecnologia, o Estado, a ambição, a intuição e o amor encontram uma raiz comum na mesma função destrutiva. Da fuga assassina dos soldados em FEAR AND DESIRE à loucura homicida de SHINING, passando pela violência ambígua de FULL METAL JACKET, o indivíduo carrega sobre si o peso da cruz que várias civilizações ajudaram a criar. Sobre si próprio é duplamente crucificado: pela ordem e pelo exemplo. Stanley Kubrick, inventor de formas, artesão de imagens, coreógrafo do espaço e dos nossos medos mais enterrados trazidos à luz do dia, teve a particularidade de fazer mover o eixo do “épico” no cinema. Através do terror e do esplendor alcançou uma nova fase na representação dos nossos erros e ambições. Sem nada ensinar, não nos deixou fechar completamente o olhar… 

 ARTUR

5 comentários:

Carlos Lopes disse...

Belo texto, Artur.

Li primeiro o livro e só depois vi o filme - refiro-me à Laranja Mecânica. Adorei ambos. E O The Shinig é outra maravilha. Abraço.

Artur Guilherme Carvalho disse...

CARLOS: SEMPRE EM CIMA DA JOGADA. GRANDE ABRAÇO.

elbett disse...

Saí agora dos cuidados intensivos do Egas, depois duma semana a delirar com malária apanhada na tua terra! Havia um querido que me abria o olho duma maneira, que eu só me lembrava da laranja mecãnica...Até lhe perguntei se era algum fã...O gajo ficou a olhar pra mim, tipo, ainda estás delirar, de que é que estás a falar...?? E eu, pronto, só nao segure no meu olho assim, que ele já não está amarelo, tá??
Bjo amigo! Bom ler-te de novo!!

Artur Guilherme Carvalho disse...

Elsa, espero que estejas recuperada. A partir de agora, atenção ao fígado, às roupas claras ao anoitecer e de manhã e trólaró. Cagaço, é sempre. Beijinhos e votos de excelente regresso.

elbett disse...

Eu tive atenção a tudo isso, mas o mosquito adorou-me!! A parte do fígado implica, nada de alcool e aproveito, deixo de fumar!! Vou ficar ainda mais insuportável!!Mas enquanto me lembrar do cagaço, aguento!! Beijos e obrigada!!