terça-feira, 21 de abril de 2009

LINHA DE PASSE


LINHA DE PASSE

Walter Salles / Daniela Thomas

Brasil, 2008

Numa favela de S. Paulo moram quatro meio- irmãos com a sua mãe comum, Cleuza, referência de unidade no pequeno núcleo familiar. Cada um, mais do que perseguir um sonho, limita-se a tentar sobreviver com as duras côdeas que a vida lhes vai dando todos os dias. Dânio é um futebolista que tenta desesperadamente encontrar uma oportunidade no futebol profissional. A completar 18 anos, tudo começa a ficar muito mais difícil. Atrás emergem milhares, mais novos e mais talentosos, cilindrando por completo as suas aspirações. Dênis trabalha de noite numa bomba de gasolina e converte-se à religião sendo elemento de uma pequena igreja onde descarrega a sua ansiedade. Dinho trabalha na sua motorizada como correio (motoboy), percorrendo as ruas de S. Paulo diariamente. Por fim, Reginaldo, o mais pequeno, apesar de ter talento para o futebol, a sua vontade é ser condutor de autocarro tal como o seu pai que nunca conheceu. Por isso passa os seus tempos livres a viajar no transporte público espreitando os rostos dos motoristas na esperança de que um deles seja o seu progenitor.
Tendo como pano de fundo a magia do futebol e o espaço urbano de uma das maiores cidades do mundo, o filme decorre ao ritmo de uma viagem de mota pelas ruas, saltando da realidade de um personagem para a de outro a uma velocidade estonteante. A este propósito é extremamente relevante a cena de abertura em que Cleuza assiste a um desafio de futebol do seu clube do coração (Corinthians) no estádio do Morumbi. À entrada das equipas em campo ergue-se a bandeira gigantesca do tamanho da bancada por sobre as cabeças dos fãs. As mãos erguem-se no ar para melhor manipular o movimento do enorme pano. De mãos de multidão erguidas no ar dentro do estádio o plano passa para outro cenário de mãos na mesma posição, só que desta vez dentro da igreja frequentada por Dênis.
O destino destes jovens está irremediavelmente traçado num jogo onde já perderam antes de nascer. Ninguém quer saber deles ou dos seus sonhos e aspirações. Acabarão inexistentes no anonimato de uma realidade que os devora sem tréguas. E no entanto eles riem, choram, lutam e sonham. Numa palavra: vivem. É esse anonimato que Salles homenageia ao retratar um pouco da nenhuma memória de quem, tendo passado por este mundo nunca teve direito a existir.
Com um traço inequivocamente neo-realista de registo social, o filme segue a linha de outros títulos a que o realizador já nos tinha habituado, como por exemplo o extraordinário CENTRAL DO BRASIL (98). A realidade é simplesmente retratada sem julgamentos.
Na impossibilidade de alterar o que quer que seja ao “estado das coisas”, resta ao homem uma atitude que, ainda que ao de leve, o consiga contrariar. Coloca-lhe um espelho à frente e regista a realidade enquanto memória do absurdo da sua própria condição.
Nomeado para a Palma de Ouro do último Festival de Cannes, o filme acabaria por arrecadar o prémio para a melhor actriz Sandra Corveloni.

Artur Guilherme Carvalho

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