quinta-feira, 18 de setembro de 2008

ÉS A NOSSA FÉ


ÉS A NOSSA FÉ

Edgar Pêra

Portugal, 2004

Tendo pensado inicialmente em acompanhar um clube pequeno que fizesse uma boa prestação na Taça de Portugal, e que eventualmente chegasse à Final, em 2002 a realidade imitou a ficção. O Leixões chegava à Final da Taça de Portugal com o Sporting. A este trabalho documental o autor chamou “comentário ou uma interpretação sonora das imagens captadas nas bancadas, de costas para o relvado”. De facto, neste documentário sobre futebol os protagonistas são precisamente aqueles que lhe dão vida, ou seja, os adeptos. Não há nenhuma imagem do jogo propriamente dito nem nenhum destaque de jogadores. Acompanhando sempre as pessoas em torno do ritual do jogo, o filme assinala essa metamorfose que transforma o próprio comportamento lúdico num espectáculo em si. A individualização do espectador que se transforma numa espécie de “massa encantada”, transformando ao mesmo tempo a sua personalidade em favor de um colectivo. Tudo isto decorre no processo de um jogo que começa muito antes do apito inicial do árbitro. Há todo um ritual prévio de “peregrinação” que começa a caminho do jogo exibindo uma série complexa de signos etnográficos (da exposição das cores do vestuário às palavras de ordem) que antecipa um hiato na vida daquelas pessoas, como se entrar no estádio fosse a encenação mágica de um outro mundo fora de todos os quotidianos.
No jogo, as pessoas estão com uma presença concentrada, focadas num só objectivo, ansiosas por explodir no momento do golo. E é toda esta transfiguração que, decorrendo ao longo do filme regista não só os momentos de fanatismo como também de extrema libertação, exorcizando-se desse modo a frustração de todos os dias. Religioso, fanático, incondicional do seu clube, o adepto é um bilhete de identidade dos nossos dias, da sociedade em que vivemos. É ele que apoia, alimenta e faz viver uma pesada e caríssima indústria que pouco ou nenhum respeito lhe tem. No filme de Edgar Pêra ficam registados comportamentos e rituais que nos acompanham desde a Idade da Pedra. A única diferença está entre os objectos de culto e reunião que vão mudando consoante as épocas. O que não muda é a necessidade de comunicação, de liberdade, de dedicação e de exorcismo que a espécie humana necessita para manter à tona da água a ténue esperança acinzentada pela própria incompetência de gerir os seus dias.

ARTUR GUILHERME CARVALHO

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