quarta-feira, 10 de setembro de 2008
CORRUPÇÃO
Realizador: Não tem.
Portugal, 2007
Num país pobre de recursos onde a distribuição da riqueza é profundamente desequilibrada, asfixiado por uma pesada e gigantesca máquina fiscal e burocrática, a corrupção encontra o terreno ideal para se enraizar e expandir. Instalada no quotidiano espalha-se a todos os sectores de actividade de uma sociedade. É claro que o futebol não pode ser excepção, nem o nosso país a única vítima desta praga. O futebol, os seus bastidores e o lado mais negro do seu espectáculo representam na sociedade a metáfora deste cenário pouco dignificante e omnipresente. Daí que qualquer argumentista interessado em escrever um filme sobre corrupção não tenha nenhuma dificuldade criativa a não ser a de escolher. A realidade “transborda” a ficção…
Vem tudo isto a propósito do filme CORRUPÇÃO, baseado no livro “Eu Carolina”, uma selecção de memórias de Carolina Salgado. Polémico desde mesmo antes de iniciadas as filmagens, o filme ganhou logo uma primeira batalha, ou seja, a da publicidade. As memórias da ex-companheira do Presidente do F.C.Porto levantaram ondas de choque por toda a sociedade portuguesa levando mesmo a própria Justiça a ver-se obrigada a actuar abrindo novos processos e reabrindo antigos com base em declarações proferidas nesse mesmo livro. Cavalgando esta onda providencial, o filme surge como uma consequência natural dos acontecimentos, abrindo-se uma excelente oportunidade no cinema de abordagem deste tema. Marcado desde o início pela polémica, os trabalhos do filme acabariam por encerrar da mesma forma com o realizador João Botelho a recusar-se a assinar o filme que rodou mas a que o produtor quis dar uma versão diferente no trabalho final. Circo, Carnaval e “Regabofe”: eis o futebol; eis o cinema; eis quase tudo o que se vai fazendo por aqui. Senão vejamos:
Apesar de baseado no já referido livro, o filme tenta não imitar a realidade para evitar as inevitáveis “chatices”processuais dos visados. Mas tirando a mudança dos nomes tudo é igual, sem originalidade nenhuma, inclusive a capa do livro. O mesmo título apenas com a troca de “Carolina” por “Sofia”, a cara da actriz na mesma pose.
Apesar de contar com um excelente elenco de actores, as interpretações dificilmente se conseguem libertar dos “clichés” habituais, dos estereótipos, sem encontrar espaço para desenvolver as suas personagens. Demasiado preso à realidade, materializado pelas declarações de Carolina Salgado no seu livro, o filme não consegue ganhar forma, expandir-se, ser autónomo, sendo esse o princípio e o fim da sua pobreza.
Em termos simbólicos o filme assinala o registo de um tempo, bem como o nascer de um outro em que as instituições se viram obrigadas a agir sobre o fenómeno, quanto mais não fosse para dar uma satisfação à sociedade que regulam. Ao querer tornar-se um protesto de indignação, torna-se patético. Primeiro porque a corrupção não é exclusiva de um sector, uma região ou um clube, nem no espaço nem no tempo. É omnipresente e leva séculos de existência. E depois porque as denúncias ou as acusações retiradas do livro de Carolina Salgado, retratando um aspecto desse mundo, são proferidas por alguém que nele viveu, para ele contribuiu e que só resolveu denunciar por ter sido afastada, por ter deixado de fazer parte dele. Ao contrário do filme, em que Sofia decide colaborar com as autoridades enquanto elemento infiltrado.
Em termos de construção do argumento também não vamos longe na fraqueza de razões. Num bar de alterne onde Sofia trabalha, é dada a ideia que todas as outras suas colegas têm relacionamentos íntimos com a clientela. Ela não!? A cena da piscina é gratuita, desnecessária e não tem qualquer relação com o resto do filme.
Concluindo. Quis-se fazer um filme sobre corrupção que acabou por se transformar em mais uma batalha de grupos de interesses. Perdeu o cinema. O mesmo já não se poderá dizer de PORTUGAL SA., esse sim, um filme sério, bem construído e bem apresentado da autoria de Ruy Guerra. Um filme pouco publicitado que poucos viram. Vá-se lá saber porquê??
Depois de CORRUPÇÃO e da onda de processos suscitados na sequência das declarações de Carolina Salgado no seu livro, a pergunta legítima é : “As coisas mudaram?” A resposta é : “Mudaram sim. Mas o Circo, o Carnaval e o “Regabofe” continuam.”
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1 comentário:
Texto lúcido e translúcido…está lá tudo…as “bestas”também o deviam ler, mas andam demasiado ocupados, a enganarem-se e enganar-nos!
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