sexta-feira, 8 de março de 2013

UM GIN AO FIM DA TARDE


É tarde, é tão tarde e ainda não viste nada, ainda quase nada se passou, sofrimento e alegria, marcos do caminho que percebes não percebendo, do amor que sentes não sentindo, forte e feio pelo destino acima. É tarde, é tão tarde para perceber que tudo sabe a pouco quando se quer tentar perceber o que raio significa tudo isto, estar aqui, porquê, de uma maneira que faça sentido, de uma maneira parecida com harmonias, de qualquer maneira passível de entrar por uma das portas do entendimento. É tão tarde e no entanto é tão alegre a imagem do crepúsculo, o adeus do Sol, o entendimento do fim. O fim, no fundo, a única razão, o único sentido, o remate lógico do absurdo que foi todo este caminho, o sentido perdido, a razão nunca encontrada. Nada, e como esta palavra reconfortante, corpo desejado de mulher inalcançável, como esta mulher ou esta palavra nos tranquilizam quando pronunciadas. Sentarmo-nos sobre o Nada e contemplar ao fim da tarde sobre um mar preguiçoso, um dia que se despede. Um gin tónico na mão, uma caneta na outra e as palavras que se vão desenhando sozinhas sobre o eterno caderno que nunca nos larga como se de uma identificação permanente estivéssemos a falar. As palavras que se desenham e dançam entre si um bailado que só elas conhecem, feito de pensamentos e desejos, remorsos e amores, os autores, os devedores, aqueles a quem ficou a faltar um cumprimento, uma vingança, um agradecimento. Fodam-se todos ao pôr-do Sol do dia em que me virem partir. Finjam as lágrimas ou sejam indiferentes como indiferente a vocês é este dia que acaba em paz sobre o mar.

Chegámos aqui sem saber nada e nada sabemos no dia em que formos embora. Uma viagem estranha, demasiado estranha para não ter sentido nenhum, uma viagem ao cu da ambiguidade eivado de penas e sofrimento, injustiças e dores. Algumas alegrias sem dúvida, mas apenas na dose suficiente para suportar as outras, para não rebentar mais cedo. E as tuas mãos que me embalam numa doce tranquilidade, as tuas mãos que me acariciam, as tuas mãos que seguram as minhas que tremem sem terem vontade de parar. As tuas mãos que mudaram de dona com a idade mas que sempre lá estiveram para me amparar, para me dar o que eu precisava ao longo do tempo.

É tão tarde e no entanto havia tanto para conhecer, tanto para saber, tanto para viver, havia uma vida completa e extensa por caminhar, uma série de paragens no caminho, havia uma vida que nunca abria as portas na hora de bater e preferia abrir as pernas a quem melhor pudesse exibir as cores do poder. Fodam-se todos de uma vez, tiranos e tiranetes, vítimas da conveniência, filhos e filhas do medo que nunca arriscaram, que nada souberam arriscar por recear partir mais cedo do que a hora em que deveriam acabar. A vida é um pôr-do-Sol que se expande num fim da tarde sobre o mar, é um riso desdentado de uma gargalhada com fraldas, um gemido sentido de uma mulher rendida ao limite do seu prazer, um abraço entre amigos, uma pedra contra um vidro, uma bebedeira sem sentido, um choro em coro pela morte de alguém, a vida é sempre a vida desde que não se escolha ser ninguém.

É tarde, tão tarde que nunca saberemos quantas cores têm os dias nem quantos paus fazem a jangada em que a atravessamos, mas é aquilo que temos, ou tivemos, ou outra coisa qualquer em forma de “assim”.

É sempre tarde e, no entanto, é um prazer terminar, chegar ao fim, descansar, deixar para trás tanta coisa que não percebemos, tanta coisa que não conseguimos encontrar, tanta coisa e coisa nenhuma lá longe, inacessível, a acenar.

E, afinal, nem tarde nem cedo mas um “agora” permanente e eterno, a consciência ou o “Ser”, a identidade de algo pensante, possante. O dia que desmaia vagaroso sobre o mar, o caderno onde as palavras se desenham a bailar, a parte de fazer parte sem lá estar, a alegria de sair sem acabar. E acabar o Gin sem entornar, telefonar à gaja que se andava a insinuar, dar um murro nos cornos daquele que nos andava a gozar, ouvir um som no carro aos berros sem me espetar, ir do fim ao princípio da existência, mergulhar a cabeça no mar…e ficar na mesma, sem perceber, sem sair do lugar.

É tarde…é tão tarde que já não há nada para compreender, nada a não ser acabar.

 

Artur

 

1 comentário:

Anónimo disse...
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