Após a gigantesca manifestação de
2 de Março torna-se confrangedor o silêncio tanto das instituições (Governo e
Presidente da República) como da maioria dos actores principais do espectro
político. Em seu lugar correm os escribas de serviço desvalorizando,
minimizando, transformando os acontecimentos num fait-divers sem consequências, analisando o que não tem interesse
nenhum, insistindo na ideia de que no dia seguinte tudo vai ficar na mesma.
Ora, tanto a manifestação de 15 de Setembro como a de 2 de Março revestem duas
etapas incontornáveis, dois momentos mais do que simbólicos de que os dias
deste regime chegaram ao fim e que não há remendo suficiente para o manter de
pé. O regime esgotou-se sobre si mesmo, apodreceu e não tem mais nada para dar.
O que virá a seguir é sem dúvida uma colossal incógnita mas, a certeza de que
alguma coisa acabará por acontecer cresce de dia para dia. Muito melhor teria
sido que estas duas gigantescas manifestações incluíssem actos violentos, desacatos,
pretextos para ocupar as forças policiais, os escribas do regime e os ofendidos
governantes. Mas não. Em vez de uma aproximação à grega, o povo português
mostrou o seu civismo, o seu sentimento de pertença, a sua maturidade
democrática. O povo português fez questão de exibir o enorme volume da
população excluída, a maioria esmagadora da pessoas, esclarecendo que já não
vai embarcar em mais encenações que colocam uns contra os outros, que disfarçam
a incompetência com rectificações de última hora, que justificam o
injustificável.
O regime tal como o conhecemos
acabou mas isso não significa que caia hoje para amanhã se erguer outro no seu
lugar. Os regimes políticos em Portugal normalmente caem de maduros quando já
não têm nada onde se sustentar. Um dia o vento sopra mais forte, a terra gira
um pouco mais depressa e, eles simplesmente caem. Tal como a monarquia não caiu
logo após o assassinato do rei, este regime também não vai cair já. Mas que
terminou os seus dias, sobre isso não tenho dúvidas.
Aparte a asfixia de décadas a que
os partidos foram submetendo a população, governando e fazendo política nas
suas costas, excluindo a participação da sociedade, o governo actual acabou por
assinar a sentença de morte do regime no momento em que começou a disparar na
direcção dos poucos sectores da sociedade que o elegeram. Começando pela classe
média, a grande massacrada dos cortes, dos aumentos de impostos, da destruição
do estado social que sustentava praticamente sozinha. Foi essa classe média que
se apresentou de forma esmagadora nas duas grandes manifestações. Cortando a
torto e a direito em nome de uma rectificação, de um ajustamento financeiro, de
uma imposição dos credores internacionais, o governo falhou os seus objectivos,
voltou a falhar e falhou outra vez. Os sacrifícios da população não serviram
para coisa nenhuma a não ser o carregar ainda mais o futuro com nuvens negras.
A classe política continua alegre e contente a nadar nos seus privilégios, nas
suas reformas, no seu circuito fechado como se nada fosse, assobia para o lado
e faz interpretações semânticas das leis que publica para melhor continuar
instalada na sua posição de supremacia. A justiça, lenta, ineficaz, inacessível
aos de menores recursos, acompanha este abandono da população entregue á sua
sorte e ao seu trágico destino. A educação e a saúde seguem-lhe os passos.
Sobra um sector inatacável, inatingível, acima de tudo e de todos. O sector
financeiro, aquele cuja única função é acumular dinheiro sem nada produzir.
Aquele para quem os lucros são privados mas os prejuízos são públicos. Aquele
principal responsável pela crise que nos trouxe até aqui e que menos prejuízos
teve com ela. Por fim, as forças armadas e as forças de segurança. Não há
dinheiro, não há orientação estratégica, não há respeito nenhum pelo ultimo
reduto do sustentáculo do aparelho do Estado. A Democracia desapareceu quando
acabou o Estado de Direito, quando as instituições deixaram de responder aos
acontecimentos. O poder político perdeu influência, dignidade e capacidade
quando se deixou infiltrar pela especulação financeira que lhe passou a marcar
a agenda. Sem ninguém que proteja a sua soberania, o Estado deixa de existir. A
sociedade mudou de rumo no dia em que a maioria esmagadora das pessoas passou a
ser excluída das decisões, empurrada para o desespero, silenciada nos seus
direitos, escarnecida pelos mais fortes.
Que este regime terminou já não
há dúvidas nenhumas. Depende agora de quem ainda exerce o poder saber se
terminará de forma mais pacífica ou mais violenta, mais cedo ou mais tarde.
Pela parte da população a sugestão é ir mais pelo lado da solução islandesa do
que pelo lado grego. Mas ambas as hipóteses continuam em cima da mesa… A ver
vamos.
Artur
2 comentários:
Caro Artur,
Já li e reli este teu texto e não podia estar mais de acordo. De cada vez que o leio, lembro-me das repetidas palavras de ordem dos estivadores ás portas da Assembleia da República na manifestação de 15 de Setembro: "Os ladrões estão lá dentro. A polícia está cá fora!" ou das palavras do Dr. Paulo Morais: "Quando o parlamento é fonte de corrupção, como pode combater a corrupção?"
E sim os sectores da sociedade que elegeram e os que mantém o governo começam a estalar. Só temo que ainda tenhamos mais 4 anos deste sistema legitimado por mais uma eleição, em que os cadernos eleitorais não estão limpos e o método para nomear os mandatos dos deputados é desonesto. Que vai cair de podre, sem dúvida! Quando e como é a grande incógnita.
Grande abraço.
Mas vai acabar, principalmente porque foram os seus beneficiários a passar-lhe o atestado de óbito.
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