Há enganos que trazem
consequências terríveis para o futuro. Há coincidências que não acontecem a não
ser no momento exacto em que têm que acontecer. Há momentos simbólicos que
permanecem imutáveis na consciência, como sinais de alerta que gritam na brisa
do vento palavras de alarme, prenúncios de catástrofes anunciadas. Embora
indiferente para muitos, a consciência republicana representa um marco, um
símbolo importantíssimo no trajecto da Humanidade, um nível superior evolutivo
na escala civilizacional. O eterno propósito de combater a injustiça, de tornar
tanto quanto possível a vida dos homens num espaço mais equilibrado, mais justo
e que fizesse mais sentido no absurdo da sua condição de existência conheceu
com os ideais republicanos uma possibilidade, uma esperança de que é possível
fazer mais para alem de aceitar a exploração e esperar por melhores dias. Os
excessos, as barbaridades e as injustiças que acompanham qualquer processo
revolucionário são a factura de uma mudança rápida de regime político pela
força das armas, mas, e acima de tudo, pela vontade (ou desespero) de um povo
cansado de ser manso, cansado de ser vítima.
Em 5 de Outubro de 1910, o regime
monárquico caía pela força das armas dando resposta a um sistema político esgotado de soluções,
ao fim de um ciclo, a uma tremenda ausência de rumo. Seguem-se 16 anos
turbulentos, repletos de ruas agitadas, lutas de classes, egoísmos e compadrios
partidários, insegurança, instabilidade. Mas também se seguem anos de grande
transformação, de políticas educativas, de planos nacionais de saúde, aprofundamento e desenvolvimento das relações de trabalho,
vanguardas culturais e científicas que mudaram e, em grande parte para melhor, as condições
de vida das populações. Uma balança de pagamentos em permanente plano
inclinado, uma participação na I Guerra Mundial que dividiu ao meio a sociedade
e uma enorme inércia do sistema político para encontrar soluções estáveis e
duradouras, acabam por precipitar o novo regime na ditadura do Estado Novo.
Hoje, a Bandeira Nacional
hasteada de pernas para o ar na varanda dos Passos do Concelho em Lisboa (o
lugar simbólico onde em 1910 foi proclamada a República), a cerimónia celebrada
em espaço fechado e subordinada a convites, a ausência pela primeira vez no dia
5 de Outubro do Chefe do Governo, se já isoladamente são acontecimentos
simbólica e formalmente graves, em conjunto prenunciam tempos incertos mas
seguramente turbulentos. Por toda a parte existe um sentimento de “fim” em tudo
o que acontece. Fim de regime político quando a classe política se refugia em
cerimónias privadas e é constantemente vaiada e insultada pelo povo seja em que
lugar for. Fim de sintonia entre governantes e governados perante um Governo
que governa como se estivesse sozinho no país, surdo aos apelos dos seus
concidadãos, empenhado unicamente em cumprir uma agenda ditada do exterior que
nos faz retroceder anos e anos, sem qualquer consideração pela soberania
nacional e pelo regime democrático, e que nos vai transformando numa população
de servos da gleba. Fim de um sistema quando simbolicamente a Bandeira Nacional
se resolve hastear ao contrário como quem, enviando um sinal de alerta, executa
um pedido desesperado de ajuda à República. Fim de um modelo de governo, quando
um Primeiro Ministro, além de cortar a direito símbolos e feriados em nome de
uma produtividade de intenções duvidosas, decide desprezar formalmente as
cerimónias da implantação do regime republicano, por acaso aquele em que vive,
por acaso aquele que o elegeu, por acaso aquele que lhe permite tomar as várias
medidas que o fazem implodir lentamente. Cuidado…Muito cuidado com os idos de
Outubro…
Artur
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