quinta-feira, 28 de abril de 2011

O MÊS EM QUE ESTIVÉMOS EM PARTE NENHUMA

Abril passou-me ao lado, como uma lebre apressada ao amanhecer numa charneca inglesa pintada de nevoeiro. Trabalha-se, faz-se uma pausa para terminar tarefas atrasadas, pagar contas, acompanhar as vidas que dependem de nós e, volta-se ao trabalho. Não o vi, enquanto o país se engasga em comentadores gastos de discursos liquefeitos em inevitabilidades, enquanto o país deixa mais uma vez de ser país para respeitar a vontade do exterior, em que se levantam os estandartes da beatada e das cabeças coroadas para entreter o pagode. O eterno pagode, a eterna farsa, os eternos personagens da mesma história repetida até ao vómito. Abril passou-me ao lado enquanto os gigantes financeiros sem rosto acumulam riqueza e dão continuidade ao processo de genocídio sobre a humanidade. Quem não tem dinheiro não tem direito à vida. Abril passou-me ao lado enquanto a União Europeia se deixa afogar nos meandros da sua própria burocracia, enquanto se enterra na sua própria inércia, sem uma atitude digna desse nome para precaver e fazer face ao primeiro momento de gravidade da sua história. Abril passou-me ao lado com a porta da Assembleia fechada para obras, balanço, intervalo de regime, adiamento de Liberdade. Abril passou a correr como uma lebre e já quase não me lembro do sabor da rua, quando a rua gritava e se podia respirar. Estou velho e moribundo e já nem força tenho para julgar, encontrar culpados, descobrir razões, sugerir caminhos. Falhei…redondamente. Isso é mais que certo. Falhei quando gritei menos, falhei quando me deixei abater e não reagi. Falhei quando não me quis sujar, quando achei que não valia a pena. Falhei quando não insisti, quando não me ofereci ao sacrifício para a passagem da liberdade das outras gerações. E voltei a falhar quando não morri lá atrás com os outros que tiveram que sair mais cedo. Falhei desde o dia em que nasci, simplesmente porque não fui fabricado para vencer.
Abril passou-me ao lado mas ainda há um rasto para trás. Um rasto de memória escrito e em imagens, há amigos, família, amor, bons momentos, filhos, sobrinhos, gente com quem dividimos um cigarro, uma gargalhada, uma refeição. E essa estrada é o trilho sagrado sobre o qual construi a minha história. Houve lágrimas e risos, houve amor e ódio, noites loucas de eternidade e celebração, houve concertos de rock e overdoses, houve noites em branco e despedidas inesperadas, houve arte à solta, amigos até à morte, livros fatais e filmes inesquecíveis.
Abril passou-me ao lado, mas a minha vida não.

Artur

3 comentários:

Unknown disse...

Grande desabafo Artur e muito interessante também. bjs

elbett disse...

Abril passou, mas nós estamos por aqui e por ali! Abraços,amigo!

Artur Guilherme Carvalho disse...

Olá Alfa,
Obrigado pelas tuas palavras. Bjs
Elsa,
Andamos por aqui e por ali...por ali e por aqui...andamos...