sexta-feira, 1 de abril de 2011

CHIEDO ASILO


Marco Ferreri

França/Itália 1979

Diz o povo que: “Quem se quer bem, sempre se encontra” e é uma grande verdade. Tanto para pessoas como para livros ou filmes. Aconteceu-me, já há muito tempo, ter visto um filme italiano na RTP2 e de ter ficado simplesmente fascinado, apaixonado, devastado, cilindrado, esmagado por ele. Pela simplicidade da sua leitura, pela evidência das suas propostas, pela narrativa libertária que emanava. Tempos mais tarde quis recomendá-lo a um amigo mas já não fui capaz, ou por outra, o título dado ao filme não ajudava a encontrá-lo em lado nenhum. Há poucos dias atrás vou comprar um compacto de 5 filmes da obra de Ferreri e sai-me de entre os títulos O REFÚGIO DAS CRIANÇAS. Algo de familiar se acendeu em mim. Peguei na caixa, li a ficha técnica e fez-se luz. Aquele que já tinha sido O ENCANTADOR DE CRIANÇAS e O AMIGO DAS CRIANÇAS, aparecia agora sob um novo nome. Traduções à parte, por isso é que prefiro os títulos originais. Assim não há como errar.
Voltando ao que interessa, CHIEDO ASILO é um filme extraordinário de 1979, que nos conta a história de um educador de infância pouco ortodoxo que estabelece com a sua classe um novo programa pedagógico baseado na interacção com as próprias crianças. Desde introduzir uma televisão até usar um burro como mascote da aula, Roberto esforça-se por aplicar métodos de ensaio que, agradando às crianças, não agradam assim tanto aos pais. Para ajudar à festa, tem como assistente um adolescente seu amigo que, apesar de bastante empenhado, tem algum atraso no seu desenvolvimento cognitivo. Empenhado em resistir às forças dominantes, Roberto vai sendo confrontado, não só com a escolha dos seus métodos, mas também com as suas escolhas existenciais. O mundo libertário e de estruturação individual, em que as crianças se tornam donas do seu próprio destino é também o espaço de fuga do professor para não se confrontar com a realidade. Sabendo que a sua namorada (mãe de uma das suas alunas) está grávida, Roberto não tem a melhor das reacções. A sua insistência num mundo utópico embora belo e livre, afasta-o também da responsabilidade perante a frustração e os desaires da existência. Como se, ao tentar emancipar as crianças para um destino melhor e mais livre, acabasse por ficar refém desse mundo que pretendia libertar.
Urso de Prata em Berlim, o filme reafirma o pendor anarquista do realizador, se bem que de uma forma muito mais humana e enternecedora em relação aos anteriores. Roberto Begnini (que também assina o argumento) é um actor muito menos exuberante mas muito mais natural do de A VIDA É BELA.A grande lição de CHIEDO ASILO é a de que também os utópicos, os libertários, os sonhadores e as crianças deviam ter o seu espaço, o seu lugar no mundo. E não têm. Nem tudo deveria ser objecto, razão e consequência da realidade, sempre cruel e injusta. Devia haver uma bolha de ar, como o frasco onde Roberto colocou a rã, para ela respirar. Devia haver um espaço para se ouvir o seu acordeon numa praia no Mediterrâneo. Devia haver uma palavra na boca daquele miúdo que nunca fala. Porquê? Porque nem todos somos feitos de raiva e frustração…

Artur

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