sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

NUMA CIDADE QUALQUER

Um hotel, um aeroporto e um autocarro entre eles. Uma cidade escura à meia-noite após um dia de chuva. Podia ser o princípio de um filme. Scorcese molhava as ruas de Nova Iorque quando filmava de noite para melhor captar os brilhos da iluminação artificial. No meu caso, o princípio do filme é apenas uma sessão contínua numa cidade qualquer, digamos, Belo Horizonte. Ruas e ruas desertas, taipais de lojas corridos, uma luz teimosa a um canto e um homem solitário à porta a falar e a gesticular para o vazio. Uma bicicleta parada a uns metros dele.
Uma conversa de e-mail trocada com a minha mãe em Melbourne, fora de horas, desfasada de simultâneo, entre diferenças horárias e computadores sonâmbulos, tempos mortos que insistem em falar. Tive um bisavô que viveu e morreu por estas paragens. Isso até sabia vagamente, muito por alto. O que não sabia era que se tratava de um plantador de café. Contou o meu avô que desembarcou nos finais dos anos 40 com a mãe e os irmãos no Rio de Janeiro e demorou três dias a chegar à fazenda do pai dele. Daí um tio-avô em S. Paulo e uma descendência que nunca conheci. O meu avô parou por aqui mas seguiu para a Austrália. O pai dele era uma espécie de Indiana Jones, pistola de um lado e chicote do outro, chapéu de feltro, a dureza típica de quem vive da terra. Uma boa história para tentar um dia destes.
Um homem é feito de histórias. Perdão…Um homem é “construído” por histórias. O seu rasto é um livro que muitos ou poucos conseguem ler. Mesmo as que se inventam pertencem sempre a alguém.
Uma cidade escura que se prepara para dormir, uma rua deserta de lojas fechadas, um homem que fala sozinho a poucos metros de uma bicicleta. Comunicações interrompidas que ainda assim conseguem falar, um livro que se lê em folhas dispersas pelo vento a caminho de um aeroporto. As histórias desconhecidas que escreveram o nosso DNA, o sentido cada vez mais difícil de encontrar numa cidade escura, numa rua qualquer. Há sempre um homem que fala sozinho dentro de nós…
Artur

3 comentários:

Unknown disse...

E, ainda bem que o faz Artur e que depois nos dá a ler...Vou passando por aqui, bjs

Artur Guilherme Carvalho disse...

Olá Alfa,
Obrigado pela visita. Vou continuar, vou. A deixar histórias por aqui. Bjs

Vitor disse...

É mesmo,Artur...é mesmo!

Abraço