quinta-feira, 18 de março de 2010

NÃO MATEM A LÍNGUA

Sendo um dos últimos redutos em que a nossa identidade ainda pode ser encontrada e afirmada, a Linga Portuguesa (a Pátria de Fernando Pessoa) pode estar a levar mais um rude golpe no seu já longo calvário a caminho da desintegração ou total extinção. Num país em que os conteúdos impõem programas de Português sem rigor científico (no básico e no secundário) nem pedagógico, que despreza o valor e respectivo ensino da História, que se está nas tintas (a nível oficial) para a inauguração de um Museu dedicado à Língua Portuguesa (em S. Paulo), apresenta-se agora esta palhaçada que dá pelo nome de Acordo Ortográfico ao arrepio de tudo e de todos (Académicos, Escritores, Cientistas, organizações culturais, etc.). Porquê? Porque sim, para uniformizar e facilitar tanto o discurso diplomático como as trocas comerciais. Ministérios da Educação e da Cultura, com importantes responsabilidades num tema tão grave como este, mantém-se impávidos e serenos a assistir a mais esta valente “tareia” na Língua. Só na superfície é que poderemos considerar estarmos a debater um assunto mais do que secundário como adiante veremos. A correr já há algum tempo em forma de petição on-line, um grupo de cidadãos manifestou o seu total repúdio pela forma displicente, confusa e despropositada em que todo este processo ocorreu. Se, como eu, está em profundo desacordo com o novo Acordo Ortográfico, assine esta petição cujo objectivo é alcançar as 35 ml assinaturas, número mínimo para levar à Assembleia da República a obrigação desta lei ser debatida, corrigida ou eliminada. É para isso que serve a Democracia. A seguir tentarei de forma tão sucinta quanto possível, explicar o que está em risco. Se não tiverem paciência para ler as minhas palavras leiam por favor o texto da petição para perceber. Quem quiser, agora, siga-me.


RAÍZES

O português é uma das muitas línguas que nasce do latim, fruto das invasões romanas na Península Ibérica. A Cordilheira Cantábrica (séc. X) acabou por servir não só de barreira geográfica como de limite divisório de idiomas. O galego falava-se nas montanhas do Noroeste da Península e na capital do reino de Leão. Do outro lado da cordilheira, a Leste, na vizinhança do país basco formava-se outro dialecto, o castelhano. O galaico-português e o castelhano são irmãos com uma raiz comum, nascidos da mesma língua neo-latina, que evoluíram com o tempo em diferentes direcções. Nos nossos dias, uma e outra distinguem-se das restantes línguas românicas no vocabulário essencial, formas gramaticais análogas, o mesmo sistema de conjugações verbais. (*)
As principais distinções entre o português e o castelhano estão na entoação, articulação e ritmo, sugerindo que “na sua origem estão diferentes substratos, isto é, diferentes populações pré-romanas, que pronunciavam diferentemente o latim”. Quando se formou o reino de Portugal já o Noroeste da Península dispunha de uma identidade linguística, podendo afirmar-se a existência do galaico-português enquanto língua materna. O latim continuou a ser utilizado enquanto língua oficial nos primeiros tempos da nacionalidade. Afonso Henriques, Sancho I e Afonso III, escrevem os seus testamentos em latim. Mas em 1214, Afonso II, neto de Afonso Henriques deixou um testamento em português que consiste num dos primeiros documentos escritos na nossa língua.
Há já no ano de 1000, ou perto disso, manifestações que tendem a revelar uma certa autonomia cultural do Noroeste. Existem mosteiros cristãos moçárabes nas proximidades de Coimbra, (Vacariça e Lorvão), bem como no Norte do Douro. No princípio do reinado de Afonso Henriques é fundado o mosteiro de Sta. Cruz, de cónegos regrantes, onde se fabricam livros e onde se coleccionam anais latinos referentes à região. É de assinalr pela importância que veio a ter mais tarde, a fundação do Mosteiro de Alcobaça em 1152 por monges franceses.
Forma de comunicação, a língua é também o veículo privilegiado de afirmação e identidade nacional. Comunicar, pronunciar, escrever, falar. Eis um património que contribui decisivamente na construção de uma nação.

(*) Iniciação Na Literatura Portuguesa

António José Saraiva

Ed. Gradiva – Fevereiro 1994





“Venho brincar aqui no Português, a língua. Não aquela que os outros embandeiram. Mas a língua nossa, essa que dá gosto a gente namorar, e que nos faz a nós moçambicanos, ficarmos mais Moçambique.”

Mia Couto

A obra de Mia Couto é talvez uma das mais paradigmáticas no que diz respeito à dinâmica de uma língua. A invenção de vocábulos e a forma de exprimir sentimentos utilizando a linguagem num processo de reconstrução, evidenciam a evolução linguística enquanto elemento activo e imprescindível no desenho de uma identidade. Espaço geográfico e cultural, formas de relacionamento comunitário e social, património histórico comum, tudo se mistura numa amálgama de regras, pronúncias e expressões que compõem uma língua. Tal como o português evoluiu do latim, assim os territórios de expressão portuguesa evoluem enquanto constroem a(s) sua(s) identidade. Mia Couto refere que a única forma de não se perder a influência do português em Moçambique é permitir que a língua portuguesa se possa “moçambicanizar”. Completamente de acordo. O que não pode acontecer é que a língua portuguesa acompanhe evoluções que não lhe dizem respeito ao pretender alcançar um padrão comum entre várias latitudes. Isso é pura e simplesmente ditar a sua sentença de morte.

ARTUR

2 comentários:

José Francisco Oliveira Carneiro disse...

Concordo absolutamente com a narrativa do nascimento e identidade da nossa Língua. O AO só a descaracteriza das suas raízes históricas, e envergonha os portugueses mais atentos e mais exigentes com a etimologia e a lógica da gramática.

Moisés Dutra disse...

E a nossa língua lusitana original, autóctone, será que teria como resgatar???