terça-feira, 23 de março de 2010

KUROSAWA II


(OS SETE SAMURAIS)

OS FILMES HISTÓRICOS

Mas foi sobretudo com os filmes históricos (jidai-geki) que Kurosawa construiu a sua reputação no Ocidente, sendo o mais célebre SCHICHININ NO SAMURAI (OS SETE SAMURAIS) (54). Leão de Prata em Veneza, o filme situa-se no tempo das guerras civis de um Japão feudal, onde os camponeses se encontram à mercê de todo o tipo de bandidos. Cobrando apenas alimentação e alojamento, um grupo de samurais compromete-se a proteger uma aldeia a pedido dos seus dirigentes. O desespero dos aldeões, cansados de perder todos os anos o resultado das suas colheitas para os bandidos, e a falta de recursos para pagar em dinheiro a protecção dos samurais, convence o guerreiro mais velho. Estabelecendo um sistema de defesa da aldeia e treinando os camponeses para que no futuro possam defender-se das incursões de qualquer inimigo externo, os samurais encarnam o espírito mítico dos guerreiros, defensores dos mais altos princípios éticos. Nova grande passagem do humanismo existencial de Kurosawa, onde emerge a figura do herói solitário que impõe aos seus contemporâneos um postulado ético de comportamento e acção. Uma imagem que se vai desenvolvendo em força com KAKUSHI TORIDE NO SAN AKUNIN (A FORTALEZA ESCONDIDA) (58), YOJIMBO (O INVENCÍVEL) (61), SANJURO (62) e AKAHIGE (O BARBA RUIVA) (65).

TEMPOS DIFÍCEIS

Depois de 1965 o “imperador do cinema japonês” atravessa um dos períodos mais difíceis da sua carreira. Vários projectos rejeitados pela máquina de Hollywood e o fracasso comercial de DODESKADEN (70) contribuem em grande parte para uma tentativa de suicídio em 71, felizmente mal sucedida. Este breve mas intenso episódio da sua vida ficará para sempre envolto numa aura de mistério. Um mistério fortalecido pela raridade com que dava entrevistas, bem como pela ausência de comentários à sua tentativa de suicídio. A grandeza, o mistério e o segredo que sempre acompanharam o mestre, nem por isso ajudou a afastar as opiniões detractoras da sua obra. Houve quem entendesse que os seus filmes se afastavam da realidade do seu país, deixando de ter qualquer relevância para as plateias japonesas. Havendo o não alguma pertinência nestas opiniões, o certo é que Kurosawa manteve sempre nas suas atitudes uma convicção inabalável. Tal como um grande samurai. O perfeccionismo da produção dos seus filmes exigia um esforço financeiro que a industria japonesa não podia ou não queria acompanhar. Por outro lado, o seu compromisso com um ideal humanístico entrava em conflito directo com uma nova geração que emergia egoísta, conservadora e materialista. Adolescentes que preferiam ser assustados em vez de inspirados pelos filmes…
Um novo fôlego começa a ganhar forma em 73, quando a então Rússia soviética lhe propõe fazer DERSU UZALA (O LOBO DAS ESTEPES) (75), uma história passada no final do séc. XIX sobre um siberiano da floresta que se torna guia de uma expedição geodésica. Primeiro prémio no Festival de Cinema de Moscovo, Óscar para o melhor filme estrangeiro em 1976, DERSU UZALA teve a particularidade de, em plena Guerra Fria, vencer dos dois lados da barricada, o que só por si ilustra bem a consensualidade universal sobre uma obra.

KAGEMUSHA

ENTRE COLOSSOS E MEMÓRIAS
O novo fôlego da notoriedade de Akira Kurosawa recoloca-o a nível mundial num pedestal de onde jamais sairá. A dupla Lucas/Coppola e a 20 Century Fox ajudam-no a produzir KAGEMUSHA (A SOMBRA DO GUERREIRO) (80), Palma de Ouro no Festival de Cannes. Encenando as contradições do Poder e as suas representações, Kurosawa assina um documento histórico fabuloso, passado no séc. XIV, onde um ladrão se faz passar pelo senhor Takeda.
Em 1984 surge RAN (OS SENHORES DA GUERRA), uma versão livre e niponizada de “A Tragédia do Rei Lear” de Shakespeare. Outro colosso do cinema de regresso ao feudalismo japonês, outra oportunidade de interrogar as fundações e o exercício do Poder, outra adaptação de um dos seus autores preferidos. Segue-se SONHOS (90) com a ajuda dos amigos e discípulos Spielberg e Lucas. Novo colosso dividido entre a inocência da infância e a agressividade dos pesadelos. Entre as memórias do paraíso perdido e do horror da guerra, entre a harmonia da Natureza e a ameaça da catástrofe nuclear. E, de vez em quando, uma pausa para penetrar nos quadros de Van Gogh, ou mesmo para o reencontrar (Scorcese), preparando-se para executar mais um trabalho. Depois de SONHOS, regressa-se ao tempo das memórias no tempo de hoje com RAPSÓDIA EM AGOSTO. Uma construção de testemunhos de um passado que teima em deixar as suas marcas no coração dos sobreviventes da guerra. A bomba atómica, a guerra, a ausênca dos que partiram. Com uma interessante prestação de Richard Gere. E para finalizar MADADAYO (AINDA NÂO) (93), um filme-testamento, ou simplesmente, o último filme. A criança que joga às escondidas e que grita para a outra não destapar os olhos, e o velho mestre homenageado pelos antigos discípulos que ainda não encontrou o poiso definitivo, o refúgio, para que a sua existência se cumpra. A recusa de ver o jogo acabado, ou cumprido, embora o seu desenrolar tenha inevitavelmente que chegar ao fim. A indeterminação da temporalidade previsível.

Artur

1 comentário:

Unknown disse...

Akira Kurosawa, grande realizador, Artur. Gosto muito.

bjs