sexta-feira, 6 de março de 2009
CAMPO DE OURIQUE – A ALDEIA MAIS BONITA DA CIDADE
“ A Rua Saraiva de Carvalho é muito comprida.
Parte dela é aqui ao voltar da esquina.
O princípio é perto do Rato, o fim
No Cemitério dos Prazeres. A Rua Coelho da Rocha
é perto do fim.”
Fernando Pessoa
Carta a Ofélia, 29- 4- 1920
Uma das muitas definições da cidade de Lisboa pode ser a de uma cidade imperial, composta por muitas aldeias. Fruto da sua acidentada geografia e das contingências da ocupação populacional, muitos dos bairros que hoje compõem a cidade tiveram o seu início em pequenos núcleos de moradores, conservando talvez por isso através do tempo, teimosos traços de identidade e distinção. Chamar a Campo de Ourique aldeia não é mais do que ressalvar de forma carinhosa as melhores características que definem um pequeno espaço urbano.
Juntamente com Campolide, Avenidas Novas, Castelo e Monte, Campo de Ourique insere-se no grupo dos bairros de cota mais elevada da cidade. O bairro, situado num planalto, é limitado por duas antigas ribeiras que corriam para o Tejo, formando os vales de Alcântara e de S. Bento. Na evolução do bairro há a considerar três fases históricas decisivas. Primeiro, na sequência do terramoto de 1755, a região passou a ter muita procura pelos habitantes da cidade. Não tendo sido muito afectada pelo sismo em virtude das suas características geológicas, a região conheceu no fim do séc. XVIII um primeiro movimento de ocupação e fixação. A segunda fase de ocupação e evolução urbana teve lugar um século mais tarde, acompanhando o crescimento populacional de Lisboa, em virtude do desenvolvimento económico após a Regeneração, sobretudo com Ressano Garcia. A ele se deve a construção do bairro de Campo de Ourique em 1879. A nova vaga de crescimento urbano, e a mais importante, ocorre em 1906, quando o bairro conhece um novo projecto de ampliação, consolidado no período da I República (1910-1926).
Por iniciativa do engenheiro Ressano Garcia, o bairro de Campo de Ourique começa a delinear a sua estrutura urbana no ano de 1880. Planeado como um rectângulo regular, abriu-se um eixo orientador constituído pela Rua Ferreira Borges, definindo-se as outras artérias a partir dele. Eram largas de 15 metros, formando quarteirões ortogonais. A testemunhar esta primeira fase das obras, permaneceu até hoje um conjunto de casas para operários construído em 1880 na Rua 4 de Infantaria (actual Pátio das Barracas). Três anos depois, a instalação da Empresa Cerâmica de Lisboa perto da Estrada dos Prazeres viu nascer as primeiras casas do bairro. A inauguração do Caminho-de-ferro de Alcântara a Sintra em Abril de 1887 contribuiu para uma ocupação das franjas do bairro, primórdios de outra aldeia mítica da cidade, o Casal Ventoso.
Em finais do séc. XIX Campo de Ourique tinha já uma animada vida associativa, participando activamente em todos os movimentos conspirativos para derrubar a monarquia. Este seu traço rebelde manter-se-ia inalterado ao longo da sua história. São conhecidas reuniões de Carbonários nas pedreiras de Campo de Ourique desde 1890. Outro facto importante para a história do movimento associativo no bairro foi a fundação da Sociedade Cooperativa A Padaria do Povo em 1903, para fornecimento regular de pão aos seus habitantes e aos vizinhos de Campolide. A esta fundação esteve também ligada a criação da Universidade Popular. E aqui deparamos com mais uma característica de aldeia unida: a da solidariedade entre os seus habitantes. Até 1911 o bairro estendia-se até à Rua Tomás da Anunciação.
É sobejamente conhecida a intervenção de Campo de Ourique nos acontecimentos da implantação da República em 1910, documentada nos apontamentos de Machado Santos em A Revolução Portuguesa. Nesse documento é ressalvado o importante apoio dos revolucionários civis de Campo de Ourique, enquadrados pela Carbonária. As tradições republicanas e reivindicativas do bairro consolidaram-se durante a I República, tendo as suas ruas servido de palco para greves, protestos, manifestações, movimentação de tropas revoltosas, etc. Deste período, a História guardou a chamada “Revolta da Batata” em 1914, contra a carestia de vida, o que acabou por constituir o primeiro desafio do movimento operário ao governo de Afonso Costa.
O bairro continuou a crescer com belos edifícios da «Belle Époque», a par com outros erigidos à pressa sob a designação de «gaioleiros». Os anos 20 conhecem também as primeiras manchas de pobreza em lugares como o Casal do Evaristo, Casal Ventoso, Monte Prado, Terramotos e Sete Moinhos. Em 1923 Raul Brandão deixou-nos uma impressionante reportagem sobre este tema: “… a maioria é de velhos trapeiros, de mulheres e de crianças que, ao cair da noite, com o saco às costas e o gancho na mão, vão à gandaia – isto é, procurar o lixo nos caixotes. Muitos nem gancho têm; é com as unhas que separam os papéis e os trapos que metem no saco.”
Dentro de um número considerável de artistas que procuraram estas paragens para fazerem delas o seu local de morada é inevitável falar de Fernando Pessoa que em 1920 veio para a Rua Coelho da Rocha, ali vivendo até à data da sua morte em 1935. Mas além do poeta mais lisboeta que se conhece, outros ali pararam, atraídos pelas qualidades do bairro. Escritores como Nuno Bragança, Luís de Sttau Monteiro, António José Saraiva, Fernando Assis Pacheco, e intelectuais como Bento de Jesus Caraça deram ao bairro a honra da sua presença em troca de viverem na aldeia mais simpática de Lisboa. Mas isso já é outra história…
ARTUR
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