sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

GANGS OF NEW YORK



GANGS OF NEW YORK
Martin Scorsese
EUA, 2002



Um espaço : Nova Iorque. Um objecto de análise : a luta pelo poder. Uma linguagem: a violência. Eis o cinema segundo Scorsese. Uma carreira de três décadas repleta de obras-primas, alguns momentos menos conseguidos ( muito poucos), e, acima de tudo, o amor de uma vida pelo cinema.
Scorsese é este nova-iorquino descendente de emigrantes sicilianos, marcado por ódios e fantasmas de uma herança familiar, moldado pela realidade das ruas onde cresceu. Um homem de “tribo e território”, realidades às quais não se cansa de regressar.
Em GANGS OF NEW YORK, o filho volta ao seu território mítico de eleição, auxiliado pelas ferramentas de trabalho preferidas.
Em 1928, Herbert Asbury publicou “Gangs of New York”, uma história acerca de grupos rivais que disputavam o controle das ruas nos bairros pobres de Nova Iorque durante o séc. XIX. Este foi o ponto de partida e adaptação do filme, que recriou a baixa novecentista de Manhattan em 15 hectares de àrea da Cinecittá.
No cerne do conflito vamos encontrar os Nativistas ( protestantes descendentes dos primeiros colonos anglo-holandeses) e os recém- chegados católicos irlandeses, que durante o século XIX “invadem” a América em hordas intermináveis de fugitivos da fome e da repressão britânica, a uma média de 15 mil por semana. Num combate colectivo entre as duas referidas facções, a criança Amsterdam Vallon ( Leonardo Di Caprio ) assiste à morte do seu pai ( Liam Neeson), líder do grupo irlandês “Dead Rabbits” às mãos do líder do gang rival, Bill “The Butcher” ( Daniel Day-Lewis). A praça, Five Points, uma das àreas mais obscuras e mais violentas da cidade, foi mais tarde arrasada e reurbanizada no virar do século. Dezasseis anos depois, o jovem Amsterdam regressa a Five Points empenhado em vingar a morte do pai.
Mas a vingança teima em se concretizar. Primeiro quando Amserdam conhece Jenny Everdeane (Cameron Diaz), uma famosa carteirista e antiga amante de Bill “The Butcher”. A relação turbulenta com Jenny e a conquista da confiança de Bill geram sentimentos contraditórios. Por um lado, Amsterdam rejeita e deseja a carteirista, por outro pretende vingar a morte do pai sobre um homem que o acaba por acolher e admirar como a um filho. Sobre esta teia de paradoxos, um ambiente muito mais presente de violência e de sobrevivência diária que deixa muito pouco espaço para a contabilidade afectiva. O tempo passa até que Bill acaba por saber a verdadeira identidade de Amsterdam e castigá-lo em conformidade. Não o matando, marca-o com um ferro em brasa no rosto, símbolo de humilhação e castigo.
Amsterdam recupera e a vingança torna-se inevitável. Reune à sua volta todos os gangs dispersos que se quiserem opôr a Bill “ The Butcher” e o combate final é preparado dos dois lados da barricada.
Sobre a teia afectiva a brutalidade dos dias passados nas ruas à procura de continuar vivo. Sobre a brutalidade do cenário das ruas, a História americana a seguir o seu curso, neste caso através da Guerra Civil Americana. Ou seja, de um nível individual para um nível colectivo e desse nível colectivo para um ainda maior de inconsciente colectivo. O esmagamento dos níveis mais pequenos de vida pelos maiores. E aqui há quem critique a falta de desenvolvimento do drama individual dos personagens em nome de uma informação de carácter histórico que interrompe abruptamente esse fluxo. Opiniões...
O que Scorsese se limita a fazer é a exercer o seu direito de opção narrativa e decidir-se sobre que caminhos seguir nas encruzilhadas das várias histórias que compõem a história que ele nos quer contar.
Quando se prepara o combate final, Nova Iorque está a ferro e fogo. Decorre a maior rebelião civil da sua história motivada pelo recrutamento obrigatório para a Guerra Civil. Contra o Conscription Act de 1863, o primeiro recrutamento obrigatório da história daquela nação, os nova-iorquinos revoltam-se. Só seria livre do serviço militar quem pagasse 300 dolares, uma fortuna para aquele tempo. As classes mais pobres revoltam-se, queimam postos de recrutamento, assaltam as casas da zona rica da cidade e perseguem e matam todos os indivíduos de raça negra que encontram pela frente, dado que, entendem que é por causa dos escravos que corre toda aquela guerra. Durante três dias, os cidadãos de Nova Iorque mostraram ao Presidente Lincoln que se recusavam a combater no exército abolicionista. Só com a entrada em força do Exército e da Marinha é que se conseguiu anular o gigantesco motim. Mais um ódio periférico que vem caír em cima da última batalha de Five Points. Quando todos se preparam para se massacrar mais uma vez, para decidir quem é que fica com o controle das ruas e do dinheiro do crime, as bombas dos canhões dos vasos de guerra da marinha caem-lhes em cima, acabando com a festa. Amsterdam acaba por vingar o pai e matar Bill... mas a vida nunca mais vai voltar a ser como era.
Scorsese tenta, através de dramas pessoais, enaltecer não só a massa de que foi feito o seu país, como, relatando o seu lado de inconsciente colectivo, destacar e enaltecer aquilo que os manuais de História gostam de esconder. Porque nem tudo são rosas e beijinhos, nem tudo é porcaria e barbaridade. Mas de um e de outro... todos temos um pouco...


ARTUR GUILHERME CARVALHO.

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