sábado, 27 de janeiro de 2024

INDO COM AS FOLHAS QUE SE SOLTARAM


 


Vigésimo sétimo dia do primeiro mês de dois mil e vinte e quatro
Hoje o vento sopra e ruge como os animais das fábulas infantis. As árvores dançam, vergam-se, endireitam-se, balançam e aquietam-se entre expirações. Inspiro. A floresta é a minha vizinha mais próxima e é comigo que ela conversa, é com ela que eu desabafo. Sinto-me a guardiã deste lugar na minha pequenez quase insignificante. O tronco do incenso serve para medir a intensidade do sopro e se a copa passa para o primeiro vídro de cima da janela de guilhotina então o lobo está furioso.
-Vou soprar e soprar até a tua casa abaixo deitar!
-Vais soprar e soprar até perderes o ar. Estás só a passar!
Há raizes soltas e árvores doentes, árvores novas acabadas de romper desta terra abençoada. Há árvores saudáveis que seguram as irmãs até à queda. Quando a queda acontece, se acontecer, elas transformam-se e passam a gerar mil outras formas de vida. Por isso uma árvore morre sempre de pé, mesmo que caia.
Esta é a continuação da quinta feira de amigas que festejamos aqui nos Açores. Árvores ou mulheres, lobos ou contratempos. Somos geradoras de muita vida e empatia. Somos cuidadoras e guardiãs, tecedeiras de afetos e cumplicidades. Somos bailarinas, semeamos danças e plantamos castelos. Reconstruímos a nossa essência como a aranha faz a teia. Somos sangue, seiva, artéria e veia. Rimos das nossas desgraças e choramos com os nosso disparates. E marchamos contra todos os ventos que não venham do coração. E deixamo-nos ir a ficar, deixando-nos ficar a ir.
É este o vento que sopra hoje. Eu fico e vou. Voo com as folhas que se soltaram e fico bem aqui dentro de mim.

Elsa Bettencourt

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