segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

TEMPOS SUSPENSOS (DOIS HOMENS E UM BANCO)


 


Vamos ficar aqui só um pouco, sem falar, a olhar para a água. Vamos suspender o Tempo e respirar sem pressa, esquecer tudo o que nos atormenta, vamos ficar aqui só um pouco, secos de palavras, a ouvir o murmúrio da brisa a acariciar o mar. O enfermeiro está noutra parte do hospital envolvido com outras tarefas. Só volta daqui a um bocado, quando o nosso tempo suspenso terminar. Não tenhas medo. Dei-lhe uma nota para se fazer oculto e, com o olhar dei-lhe a entender que, se se armasse em atrevido, dava-lhe um enxerto. Ajuda-me a fumar isto para ajudar o Tempo a ficar parado como quando nos escondíamos na casa de banho da escola no intervalo antes da última aula. Não tenhas medo, não há razão nenhuma para ter medo. Nunca houve. Nós é que pintámos os cenários todos do medo e da angústia sem perceber. Por isso é tão importante suspender o tempo, pegar no medo e pendura-lo num varal de roupa para deixar de nos atormentar. Se tudo vai dar ao mesmo, se tudo termina como eu e tu, o medo nunca existiu. Eram criações nossas vestidas de solidão e mágoa que desfilavam no palco da existência para nos distrair, afastar do essencial. O essencial que somos nós e uma história, uma longa história escrita nas páginas dos dias. Por isso vamos ficar aqui durante a tarde a observar a água e o vento que baila nela. Pode ser que até reparem em nós e queiram conversar. Dizer-nos que não há morte nem medo, apenas a eternidade. Ou continuar entretidos no seu bailado até chegar a noite. Vamos suspender o tempo por um instante como se nada mais houvesse além deste banco, além de nós, do vento e do mar. Não ligues o oxigénio antes de eu apagar esta merda para não explodirmos apesar de algumas vezes ter sido essa a nossa vontade. Fica. Deixa-te estar por aí mesmo quando já tiveres ido embora e diz ao mar por onde andas para que eu te possa ouvir. Enquanto puder vou voltar todas as semanas e vou sentar-me aqui a falar contigo, a fumar um, a suspender o Tempo. Enquanto me lembrar vou ficar aqui ao fim da tarde a ouvir o barulho do vento a acariciar a água. Até ser a minha vez de mandar o medo ficar oculto, dar-lhe uma nota e prometer-lhe um enxerto se ele não cumprir a sua parte.

Vamos ficar só um pouco por aqui e suspender o tempo recordando que houve uma história de que eu e tu fizemos parte. Uma história que qualquer dia será pouco mais que nada. A história de dois amigos que não tiveram medo. A história única de dois seres que só um banco, o vento e o mar conseguirão contar, porque só eles são capazes de suspender o Tempo antes da noite chegar.

 

Artur

Foto de Luis Pereira


Sem comentários: