“É pelo Cinema que
entramos na porta da História.”
João Bénnard da Costa
A extraordinária década de 80
tinha terminado como se o Tempo tivesse decidido pisar o travão da loucura com
alguma brutalidade. A um tempo de festa e criatividade sem limites sucede-se o
momento da cobrança, aquele em que o mundo se faz apresentar com o livro das
facturas na mão. Doenças, acidentes na estrada, overdoses, uma chuva de
acontecimentos trágicos fazia soar a
sirene que dá por terminado o recreio. No fim da dança, a cobrança. Na
longínqua Rua da Beneficiência o Rock Rendez Vous fechava portas, num estrondo
ensurdecedor de um tempo fantástico que não se voltaria a repetir. Mas como
tudo na vida, nada é absoluto nem as mais esmagadoras derrotas. Zé Pedro e Kalu
(Xutos) juntam-se a Alex (Rádio Macau) e em Novembro de 1990 abrem um bar de
música ao vivo em Santos, o Johny Guitar. Encerrada a Catedral a resistência
reagrupou-se e erigiu a capela do Rock em Lisboa. Consagrados e bandas
estreantes continuaram a ter espaço para exibir o seu trabalho. Durante quatro anos
o Johny Guitar deu cerca de 500 espectáculos acabando por encerrar por pressão
dos vizinhos que se queixavam do barulho.
Numa dessas noites, debaixo de
guitarras eléctricas e tambores ensurdecedores, no meio de uma fauna expansiva
e ruidosa, um casal destoava pelo vestuário e pela idade. De facto, observando
aqueles dois dir-se-ia que tinham vindo trazer os netos e que se deixaram ficar
alguns minutos a ver se estavam bem entregues. Relações Públicas da casa o Zé
Pedro decidiu ir ter com eles. Chegado à mesa apercebe-se que se trata de João
Bennard da Costa, ensaísta, crítico de cinema, actor, cronista e Presidente da
Cinemateca. Feitos os cumprimentos da ordem, o Zé Pedro pergunta amavelmente se
por acaso não estarão enganados no lugar. Com a sua descontracção habitual o
Presidente da Cinemateca explicou-lhe que não havia engano nenhum. Já há algum
tempo que tinha curiosidade em conhecer aquele bar que dava pelo mesmo nome que
um dos seus filmes preferidos. Naquela noite resolveu vir ver com a sua mulher.
Nesse caso que ficasse à vontade e qualquer coisa que precisasse…a casa era
sua. Explicações trocadas, boas vindas apresentadas a noite continuou como
todas as outras noites naquele lugar. João Bennard da Costa e esposa acabaram a
sua bebida, despediram-se e retiraram-se como qualquer visita de qualquer
espaço. As bandas continuaram a tocar, as pessoas para lá e para cá como que
reescrevendo o ambiente de saloon do clássico de Nicholas Ray, escurecendo
muito mais o tecnhicolor com negros cinzentos e vermelhos.
Cowboys urbanos, trovadores
românticos, heróis do seu próprio filme.
Afinal naquela noite percebeu-se
que não há exclusivos de gerações nem fortalezas intransponíveis quando
partilhamos o amor pelo romance e a aventura. O Cinema aproximava tempos,
reconciliava pontos de vista e reafirmava pela milésima vez que somos todos
consequência uns dos outros. É pelo Cinema que entramos na porta da História e
é pela cumplicidade que nos tornamos maiores.
Artur
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