sexta-feira, 2 de agosto de 2013

UM QUINTAL. UM MENINO. UM GARNISÉ - GALINÁCEOS II



O menino é considerado um génio lá no quintal.
O menino diz o que lhe apetece.
O menino diz o que lhe apetece ou para fazer gracinha, diz de uma forma convincente o que o mandam dizer e porque não, o que julga que os outros querem ouvir para manter a assistência entretida, embevecida e fascinada pela desenvoltura e facilidade na expressão oral. Nisto, a plateia com os olhos fixos e fio de baba a escorrer-lhe pelo canto da boca, abstém-se de pensar e fica num modo puramente auditivo em estado catatónico.
O menino rejubila pelo efeito que tem na audiência. Os outros não sabem de tudo tanto como o menino, nem das suas próprias ocupações independentemente de há quanto tempo e como as exerçam. O menino julga ter a capacidade de mergulhar nos universos todos e de todos, e vir de lá encharcado de conhecimento, que digere como ninguém para a seguir servir aos que o adoram ouvir. O menino não defeca que isso é uma imundície reservada aos seres menores. Bolsa. Bolsa de uma forma absurdamente sublime com aquele ar enjoado, para todos os que inquestionavelmente querem aproveitar o bolsado.
O menino ás vezes excede-se naquilo que distribui.
Não que lhe seja fácil reconhecer os próprios erros. Não. Quando muito, os eventuais raros erros dele são influenciados por outros. Ele nunca se engana e raramente tem dúvidas. Sabe no entanto que há pelo menos outro assim que também pensa o mesmo de si próprio. É o pináculo-mor! Mas esse é muito mais honesto porque quem queira ser tão sério como ele, teria de nascer duas vezes. Ele que saiba, só ainda nasceu uma vez, ou… porque não mais? Ah! Pois é! Ele só acredita nele próprio e os seus desígnios e opiniões deveriam constituir-se numa religião a seguir por todos. Ele é tão especial e omnisciente que não morre como os outros. Logo, não precisa de voltar a nascer.
Tal como o pináculo-mor, o tal que também é sério e honesto, e que pode fazer toda uma panóplia de cenas maradas com o seu grupo de amigalhaços mais próximos escolhidos a dedo, porque... também são muito sérios e honestos. Ah! E idóneos! E nada lhes chega. E nada lhes cai em cima. Nem a responsabilização das suas sacanices que são pagas com o trabalho dos que estão a babar-se frente à televisão do quintal, enquanto ouvem o menino e milhentas outras coisas mundanas apresentadas narcotica e aditivamente.
Mas entretanto o menino no meio de tanto entusiasmo, empolgou-se e excedeu-se com o tal que é o pináculo da criação. O outro pináculo. O pináculo-mor daquele quintal. Qual garnisé mascarado com tantas cores como um palhaço.

Não devia.
‘’
Não porque não ache que o pináculo-mor em si mereça ser respeitado, mas antes porque o pedestal deve-se manter imaculado, incorrupto e só assim ser merecedor da reverência que lhe é devida. Mas não, o garnisé que lá está em cima alivia-se à vontade, aspergindo de excreções o pedestal onde poisou e tudo à sua volta. Os que estão à espera do ovo do garnisé (como se os garnisés pusessem ovos!...) não o podem enxotar atirando algo que o faça sair, nem gritando, nem soprando. E vão acreditando no ovo do garnisé.
E assim vão esperando, esperando, esperando por uma epifania que tarda e não se anunciará. O Sol vai-se pondo no horizonte e a noite já espreita. A escuridão acerca-se.
O garnisé está numa redoma. Raramente estica o pescoço e de cabeça empertigadamente inclinada, olha para fora com o seu olho esbugalhado, ampliado pela convexidade. O vidro da redoma é tão espesso que ele não vê o que se passa à sua volta e a sua realidade, o seu universo resume-se ao que se passa do lado de dentro do vidro onde apenas os tais amigalhaços têm espaço de acesso, num acesso ilimitado. Pouco mais conhece… sendo que esse pouco mais, é-lhe soprado pelos que lá entram ou por informadores a soldo de outros. Outros que vivem na sombra. Faustosamente. 
Quando raramente o levam dentro da redoma e em cima do pedestal a passear, tem uma predilecção especial por cagarras ou em apreciar animais grandes, nomeadamente vacas. Principalmente o sorriso delas e a satisfação com que ruminam a viçosidade dos pastos.
Uns animais supostamente irracionais, arrebanhados dentro de cercas, serenos, conformados.

Carne para abate.



Hélder

1 comentário:

Artur Guilherme Carvalho disse...

Animal Farm...Well done mate.