quinta-feira, 8 de agosto de 2013

A ESCOLA PRIMÁRIA (OU A SUA FALTA) REVISITADA





Caro Professor Doutor Marco António Costa:

Esta missiva tem por objectivo esclarecê-lo sobre algumas especificidades da língua portuguesa que, pelo vistos, V. Exa. ignora. Este desígnio decorre do incómodo que me provoca uma personalidade do calibre de V. Exa. se exprimir erroneamente numa entrevista televisiva, em horário nobre, constituindo um péssimo exemplo para a população em geral e para os estudantes em particular, pondo em perigo todo o esforço de "excelência e rigor" que, com tanto denodo e merecido sucesso, tem vindo a ser implementado pelo Professor Doutor Nuno Crato. É que, veja V. Exa., não basta querer ser "empreendedor" e cheio de "sinergias"; é preciso que tanta sinergia empreendedora se exprima num português minimamente correcto.
De facto, numa entrevista ontem concedida ao Professor Doutor Mário Crespo, V. Exa. referiu-se aos efeitos dos nefastos "swaps" nos seguintes termos: "swaps destinados a mascarar, a esconder, já ouvi maquilhar, dissimular, os adjectivos têm sido muitos..." (sic), e logo a seguir: "instrumentos para maquilhar, dissimular, esconder, modificar, adulterar, o adjectivo é indiferente..." (sic), e ainda "um conjunto de instrumentos financeiros utilizados para deliberadamente esconder a dívida público. Há vários adjectivos que foram usados" (sic). Tal persistência no erro, longe de ser um equívoco passageiro, indica uma convicção. Ora, como toda a gente sabe, uma convicção deste calibre não é boa conselheira e, assente num erro básico, constitui uma catástrofe generalizada e altamente prejudicial para a imagem de V. Exa. E em que consiste esse erro ? No facto de os sintagmas "mascarar, esconder, maquilhar, dissimular, modificar, adulterar, etc." não serem adjectivos, mas sim formas verbais. A diferença, em termos muito gerais, consiste no seguinte: os verbos indicam acções, enquanto que os adjectivos qualificam e conferem atributos a sujeitos ou objectos. Para melhor ilustração de V. Exa, forneço alguns exemplos práticos. na frase "Vou ali à Tecnoforma e já venho", as formas verbais (assinaladas a negrito) são as conjugações do verbo ir (presente do indicativo, primeira pessoa do singular). A frase não contém nenhum adjectivo; apenas formas verbais,advérbios (de modo, já, e complemento à) e um nome próprio, ou substantivo (Tecnoforma). Por outro lado, se eu disser "A Tecnoforma é uma vigarice", o adjectivo é constituído pelo sintagma "vigarice" (assinalado a negrito), que qualifica o nome próprio "Tecnoforma". Aproveitando a ocasião, informo-o que o presente do conjuntivo do verbo ser, não é "sejemos", mas sim "sejamos".
Posto isto, surge-me (infinito pessoal reflexivo do verbo surgir) a seguinte sugestão para resolver esta embrulhada dos malfadados (adjectivo) swaps e dos documentos forjados: não terá sido o Rui Rio a armar toda esta cabala, a fim de embaraçar o Professor Doutor Luís Filipe Menezes e a Professora Doutora Albuquerque ? Medite nisto e creia-me sempre à disposição de V. Exa. para eventuais esclarecimentos e, quem sabe, para um pequeno e modesto lugarzinho como consultor linguístico-político-cabalístico !?

Com os melhores cumprimentos

Arnaldo Mesquita

2 comentários:

Hélder disse...

Muito bom!
Um abraço, caro Arnaldo.

A.Teixeira disse...

E o presidente da Câmara do Porto não merece também um título?

Recordo a exclamação entusiasmada de Fátima Campos Ferreira quando da transmissão televisiva da visita de Bento XVI ao Porto: o presidente fala alemão, carago!