sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

LABIRINTOS


Os sonhos ficam localizados á entrada dos territórios da lucidez. A peça final de um puzzle que se andava a montar há bastante tempo, a solução de um problema, a iluminação necessária para arrumar uma contradição. Sem ser através de palavras ou de uma outra qualquer construção racional, as mensagens dos sonhos vêm até nós sob a forma sensorial/vibratória, não são para ser lidas nem inteligíveis. Alojam-se no Ser e espalham a sua vibração, comunicando assim a sua mensagem. Restam-me 10/15 anos de vida útil e tenho sido ao longo dos anos um verdadeiro campeão do desperdício de tempo. A Vida é uma dádiva, sem dúvida, mas uma dádiva armadilhada, um presente embrulhado em papel de absurdo. É uma dádiva na medida de todas as possibilidades que nos oferece através das experiências e dos contactos com os outros seres, mas carrega consigo um sem fim de exigências, de pressupostos, de obrigatoriedades que têm de comum estarem sempre a afastar-nos do nosso caminho, da nossa verdadeira natureza. Daí que a frustração seja na maior parte dos casos a nossa companheira mais presente. Antes de morrer gostaria de escrever mais um livro ou dois. Mas antes de poder-me dedicar a essa tarefa tenho de preencher uma série de requisitos, de cumprir um sem fim de prioridades, satisfazer uma data de obrigações, que não sei se terei tempo para o que realmente (me) importa. Não se escolhe ser escritor, ou criador em geral. A escrita está dentro de quem escreve como o ar que respira, o ar que tem de ser trabalhado pelo sistema respiratório e devolvido à atmosfera. Não se trata de uma escolha mas antes de uma descoberta, a da nossa natureza, a da identidade do Ser. Escreve-se por inúmeras razões, sendo a mais evidente a de tentar evitar rebentar por dentro.

Por isso compreendo perfeitamente a frase de Kafka quando dizia que na sua vida lhe interessava apenas e só a Literatura. Tudo o resto era um desperdício, uma perda de tempo. Um tempo que nos fazem perder desde que nascemos com uma encenação barata que mais não é que a justificação permanente de um sistema, de uma condição, de um modo de vida em que se embeleza a condição de escravo de uma maioria para o enriquecimento de um punhado de espertos. Os padrões culturais e religiosos vão cumprindo o seu papel de domesticação de uma espécie (a nossa) afastando-a das suas raízes, da profundidade do seu Ser. A raiva, o ódio, a violência são expressões desse afastamento, cuidadosamente aproveitados para beneficiar sempre no mesmo sentido. São as válvulas de escape que nada aliviam para que todos se sintam mais aliviados.

De modo que vivemos numa condição onde reina o “tragicamente patético” ou o “pateticamente trágico”. Exemplos, apenas dois. Os eternos programas de debates, tão uniformemente iguais em todas as estações de televisão do mundo inteiro, onde especialistas em generalidades se espremem para debitar conceitos, repetir cantigas antigas, em suma, pavonear um determinado tipo de conhecimento inútil, inodoro e inconsequente. Após os seus números tudo vai continuar a acontecer exactamente da mesma maneira. As tragédias, as tragédias que são noticiadas até à exaustão, os massacres, as guerras, as mortes de crianças, sem que nada aconteça que as consiga evitar. Tenho que ficar longe destes debates estéreis e destas tragédias absurdas para preservar a minha sanidade mental. Tenho que me fechar ainda mais no espaço da minha natureza e trabalhar a partir daí. A idade afasta-me cada vez mais do erro ou da vontade de errar porque cada vez tenho menos forças para pedir desculpa e para repetir o que no passado foi lido como errado. O sonho da última noite enviou-me mais um aviso. Tenho mais 10/15 anos de vida útil à minha frente e é melhor equacionar e destacar o que é realmente importante. Além da família e dos amigos, tenho que deixar feitos mais um ou dois livros, isso sim é que importa. A insanidade do mundo não cabe toda nas minhas costas, é um peso excessivo, um problema que não me cabe resolver. A intoxicação de uma informação inútil e permanente não me serve para nada. Os sonhos falam comigo. Felizmente com cada vez mais tempo, cada vez mais dentro dos territórios da lucidez.

 

Artur

1 comentário:

Hélder disse...

Eu confesso sofrer de uma dicotomia entre a curiosidade daquilo que os iluminados (pelos projectores dos estúdios) deitam boca fora nesses debates, e uma constante aversão ou constante questionamento ao que os vendo, me entra pelos ouvidos. Já quase não tenho paciência e por isso ouço e ligo cada vez menos.
Em relação aos anos de vida, ainda esta semana vi num jornal um individuo inglês de origem indiana, que concluiu a maratona em 5 horas e 41 minutos. Nada de extraordinário não fossem os seus 101 aninhos. Por cá temos o mais velho realizador do mundo em actividade com 104 anos. Autênticas fontes de inspiração para eu julgar que ainda estou a finalizar a minha infância!!!