segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O ESTADO DA NAÇÃO

1. Um dos livros extraordinários escritos por Mario Vargas Llosa - "A História de Mayta", começa por um comentário sobre os incríveis monturos de lixo que se espalham por Lima, incluindo os bairros das classes média e alta e o Malecón, a marginal que bordeja o Pacífico. Segundo o escritor, essa situação incontrolável tranformou a capital peruana numa imensa lixeira contínua a céu aberto, sem remissão possível.


2. De joão pedro aguiar branco nada sei. Ou melhor, sei que é um advogado portuense e uma espécie de rolha flutuante, um sobrevivente nato, sempre ao lado do líder do momento, acomodando-se às novas situações e "diktats" com a flexibilidade daqueles acrobatas chineses que dobram o corpo em ângulos e posturas impossíveis. Pensando melhor, ainda sei mais umas coisinhas: que foi um Ministro da Justiça absolutamente irrelevante e inócuo, sem medida ou acção que se visse; que daquela boca nunca saiu uma frase correcta e com sentido ou uma ideia ou conceito que revelasse a existência de um cérebro pensante. Possui, como dizia Marcello Caetano a propósito de outra criatura, "ideias inteligentes e originais,é pena que as originais não sejam inteligentes e que as inteligentes não sejam originais" ; sei também que é o actual Ministro da Defesa e tenho a certeza, sem qualquer margem para dúvidas, que nesta posição é um homem muito, muito perigoso. Há alguns dias, sem perceber minimamente o alcance irresponsável e criminoso das suas palavras, resolveu dizer que as Forças Armadas, tal como existem neste momento, são insustentáveis. Admitamos, por um momento, que assim é: o país não pode continuar a financiar as Forças Armadas com a configuração actualmente existente. No entanto, esta verdade não pode ser dita assim, sem mais explicações, como quem anuncia outra qualquer verdade comezinha, daquelas que antecedem a extinção de qualquer outro serviço do Estado. Acontece, senhor ministro, que as Forças Armadas não são uma repartição de Finanças, ou uma escola, ou um tribunal. São, outrossim, um dos pilares do Estado de direito português e um dos garantes da nossa independência e liberdade. Além disso, lembro-lhe que somos membros fundadores da maior aliança militar do Mundo (designada como NATO ou OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte), uma conjunção de esforços e de forças que não se coadunam com declarações políticas fracas, de circunstância, sem qualquer relevo ou impacto na realidade. Os epifenómenos a que aguiar branco nos habituou continuam: convidou a sair das FA todos os descontentes, ou seja, todos aqueles que não se sentem na sua "zona de conforto" devido não só à degradação dos seus salários, mas também em relação à deterioração da condição militar, à falta de investimentos ou, não menos importante, à ausência de um discurso de estímulo e compreensão. Talvez o senhor ministro ainda não tenha compreendido, mas as FA constituem, de há uma década a esta parte, a principal, senão única, ferramenta da nossa política externa. Refiro-me a uma política externa sólida e credível, e não aos últimos esforços empreendidos para sabujar as autoridades angolanas, oleando a boa vontade dos plutocratas a fim de angariarmos umas migalhas do dinheiro sujo que abunda naquelas partes. Por outro lado, senhor ministro, deveria ter consciência da transitoriedade do cargo que ocupa; um dia destes vai-se embora, de volta ao seu escritório de advocacia, ou a um cargo bem remunerado numa qualquer empresa, e os militares que agora convida a abandonar as FA lá estarão, como sempre estiveram, servindo e honrando o país. Finalmente, quero lembrar-lhe que ser Ministro da Defesa implica responsabilidades que não se esgotam na gentil actividade de albergar os seus colegas ministros em encontros informais no Forte de S. Julião da Barra. Se não perceber isto tem bom remédio: sem drama, nem alarido, vá-se embora, demita-se.



3. Quando estava na oposição, e na oposição à oposição, paulo portas não se cansava de bramar contra a insegurança nas ruas, o aumento da criminalidade, o desajustamento das forças policiais. Pois bem, agora que os níveis de criminalidade aumentam diariamente, com um grau de agressividade cada vez maior perante a inoperância das polícias, não registamos nenhuma declaração do ministro dos negócios sobre tal tema. Para quem se punha em bicos de pés e do alto da sua fraca estatura lançava à nação proclamações sobre o sentido de Estado e outras baboseiras do género, está tudo dito, desmentindo a pose que, já o sabíamos, não passava disso mesmo.


4. Confesso que ando preocupado com o luso-brasileiro miguel relvas. O seu famoso sorriso tem-se vindo a tranformar num ricto amargo, pouco mais do que um esgar. Não darei a relvas a satisfação de considerar que o seu anterior gesto de pôr o teclado à mostra sempre que acreditava estar a proferir uma grande verdade, ou uma qualquer ideia salvífica e mirífica, resultava de uma atitude cínica, justamente porque não considero que tenha densidade mental para adoptar uma atitude cínica. Este esgar que agora lhe contrai os lábios num arremedo de sorriso é apenas uma extensão do que lhe vai na alma. Cai a máscara e o que fica é uma personagem, agora sim a verdadeira, crispada, hostil a perguntas, vaidosa e arrogante. Antes assim, ao menos sabemos com o que contamos.


5. Para um governo vendido como exíguo, resultante da aglomeração e extinção de ministérios e secretarias de estado, a vida não tem estado fácil. É que as clintelas, apaniguados, padrinhos e afilhados são muitos e há que dar-lhes emprego. Para dar vazão a tanto padecente, ao mesmo tempo que se destróiem milhares de empregos, nomeiam-se bois a torto e a direito, criam-se comissões e grupos de trabalho todos os dias. A mais recente diz respeito a uma comissão de acompanhamento das privatizações, chefiada pelo inefável antónio borges, criatura de distinta carreira nessa organização obscura e mafiosa conhecida como Goldman Sachs, ultimamente director da secção europeia do FMI (onde disse de Portugal e dos portugueses coisas que o pudor e a vergonha me inibem de reproduzir) e luminária permanente do PPD-PSD fazendo recordar os defuntos "inadiáveis". Como é bom de ver, podem os portugueses dormir tranquilos; as privatizações e os negócios chorudos que proporcionam estão bem entregues.


6. No fim de "História de Mayta", Vargas Llosa regressa ao tema da inenarrável lixeira em que Lima se transformou e, por extensão, todo o país. Essa circularidade narrativa e temática vem a constituir o fecho perfeito para uma reflexão sobre a patologia moral que assola a sociedade peruana e para a degradação da vida social colectiva de um país à beira de um colapso sem retorno.

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