terça-feira, 7 de junho de 2011

A MANHÃ DO MUNDO


A MANHÃ DO MUNDO

Pedro Guilherme Moreira

D. Quixote, 2011

As imagens das pessoas que saltaram do World Trade Center (WTC) naquela manhã de 11 de Setembro de há dez anos, deixaram-nos profundas feridas na nossa pacata alma de observadores externos…como se fôssemos nós a saltar com eles. O pudor mediático dos meios de comunicação tentou, ao longo do tempo, arrumá-las numa prateleira mais distante da memória numa pífia tentativa de resguardar os espíritos mais sensíveis. Como se isso fosse possível perante a obscenidade universal que foi todo aquele dia televisivo. Como se a coragem de antecipar a condenação inevitável fosse algo de pouco aconselhável, de pouca dignidade.
Sendo primeiramente uma homenagem a esses “saltadores”, “A Manhã do Mundo” é em si própria uma ferida em forma de porta. Uma abertura para debater conceitos de sempre à luz da lei das possibilidades, ao abrigo da eterna questão: “E se? What if?”
Quase todas as antigas civilizações têm na sua teorização da passagem do tempo a imagem do tapete. Cada um de nós tece um fio que é a sua existência, o seu caminho neste mundo. E é o entrelaçar dos fios, ou seja, a interacção entre nós e os outros, que vai tecendo o nosso tempo, o tecido das nossas histórias, devidamente supervisionado por uma Grande Deusa Tecelã. A força desta simbologia manifesta a sua influência na elaboração da Teoria das Cordas, utilizada na imagética da fiação, descrevendo o tecido microscópico de que é feito o nosso universo multidimensional, feito a partir de cordas que, vibrando sem cessar, vão introduzindo o ritmo na vida do Cosmos. Ao deixar uma nova experiência integrar o nosso quotidiano, não receando as transformações que ela traz consigo, o nosso padrão pessoal torna-se mais complexo e enriquece o padrão colectivo. Nós tornamo-nos co-criadores da grande teia.
Se à simbologia dos tapetes juntarmos a dos espelhos, estamos totalmente emergidos na acção deste romance, onde dois e dois nunca são quatro. Cada personagem será protagonista em dois filmes diferentes, separados pela lei da possibilidade. E aqui a formalização narrativa, fruto da originalidade proposta, ganha ainda mais força. Em primeiro lugar porque o narrador se transforma em câmara de filmar, que abre e fecha o zoom sobre a acção, ora penetrando no seu íntimo ora afastando-se, para que o leitor entenda o Plano Geral. Em segundo lugar porque a realidade pode ter muitas faces, como a visita a uma casa de espelhos, sem conseguimos encontrar duas imagens iguais. Na tapeçaria de todas as possibilidades destes personagens, a morte acaba por se tornar o que menos importa. E porquê? Porque o caminho, os nós do tecido e aqueles que amam ou amaram, são tudo o que entra em campo no princípio e no fim. Como se no dia do triunfo do ódio começasse a primeira etapa do triunfo do Amor.
Ou, vendo as coisas de outra maneira, a solidão dos “saltadores” é a nossa solidão. E a sua dignidade imortal também.

Artur Carvalho

3 comentários:

Pedro Guilherme-Moreira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pedro Guilherme-Moreira disse...

Meu caro Artur, como autor, e suponho que permites que te trate por tu, não devia ficar surpreendido por alguém ler o livro de forma tão lúcida, talvez nem o possa exigir, mas rendo-me à lucidez da tua exposição. É a melhor crítica ao livro, até ver. E faz o favor de não se pronunciar sobre a técnica, para o bem ou para o mal, porque, se o livro faz o seu caminho no leitor, não é preciso - é até um elogio tácito, tal como quando não é preciso falar do árbitro. A minha gratidão, Pedro

Artur Guilherme Carvalho disse...

É sempre um prazer comentar um livro bem feito, bem escrito e que respeita o leitor na viagem que lhe propõe. Espero que este comentário ajude o teu trabalho a ter uma boa e bem suceddida carreira. 1 abraço. Volta sempre
Artur