sexta-feira, 17 de junho de 2011

A LILI



O ultimo gato que eu tive foi a Lili. Uma fêmea atlética e enérgica, dotada de uma ternura incomparável. Pertencia àquele ramo dos felinos que fazem a maior parte da sua vida na rua, vindo a casa só para comer e dormir. Essa era a sua natureza. Como a maioria destes gatos de rua, estava sujeita a vários riscos, muito mais do que se optasse por fazer a sua vida em casa. Atraídos pela sua beleza e pela comida sempre à disposição, outros gatos foram aparecendo. Um deles, não sei nem quero saber qual, deu-lhe uma sova tal que a matou. A Lili ainda não tinha um ano. Depois daquela estúpida morte, até hoje, fiquei sem vontade de voltar a ter um bicho comigo.
Hoje, três anos depois da Lili, ao me aproximar com o carro da casa dos pais da Ana vejo dois gatos encostados à porta da entrada. Um preto e um tigrado, as mesmas pelagens dos dois amigos da Lili. Talvez descendentes deles em busca de alívio junto ao canteiro da buganvília. Fugiram à minha frente. Da Lili, que era a companhia da avó da Ana, resta uma marca no quintal junto à nespereira. A avó morreu um ano depois. Estes dois mafarricos que vi hoje não têm memória nem duma nem de outra. Se calhar descendem dos outros dois que eram amigos da Lili. Se calhar foi um deles que a matou. A vida continua e nunca pára. Este planeta é uma festa promíscua de violência e continuidade. A indiferença tudo anima e tudo esquece. Pobres de nós, criaturas finitas orientadas por memórias…


Artur

2 comentários:

Clarice disse...

Enquanto nos lembrarmos... não nos tornamos em seres tão cruelmente indiferentes, e menos humanos por isso mesmo!

* a indenpendência dos gatos é de uma elegância...:)

Artur Guilherme Carvalho disse...

Clarice,
"O homem é a única crisálida que se lembra"
Mário de Sá Carneiro

...e por isso sofre mais que as outras criaturas. - acrescento eu.
Nos gatos, tudo é estilo, tudo é elegância.