quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

A CASA DOS FANTASMAS

O rasto de um homem é sempre uma história mal contada que ninguém percebe completamente. Nem o próprio. Os pedaços dessa história estilhaçam-se pelo caminho, ficam presos nas bermas, são recolhidos por fantasmas que os transportam para as suas reuniões. Separados do “todo” que lhes dá sentido, ficam suspensos no significado, despidos de conjuntura a reclamar uma direcção perdida. Como a caravana de um circo, a vida de um homem é esse somatório de carroças alinhadas em fila com alguidares pendurados de fora, cães enervados a correr ao lado e a ladrar sem razão. É só no dia do espectáculo, com a tenda montada, os artistas vestidos e os animais emplumados, que se consegue perceber a totalidade daquela razão de ser, daquela errância, daquela fome voluntária, daquela fantasia dourada vivida à exaustão em cada respiração.
Os fantasmas ajudam a caravana, martelam estacas, influenciam vantagens que se julgavam perdidas. Escrever é mais ou menos como manter um circo em actividade contra todas as probabilidades de sucesso, compreensão ou reconhecimento.
Os fantasmas são como uma mola de obrigação, uma força que sustem a tenda de pé. Assombram e fazem sofrer num departamento, para melhor contarmos histórias, acumular experiências, refinar sofrimentos. Noutro departamento são como artistas atrás do empresário à busca de trabalho, entrevistas, contratos. Atropelam-se uns aos outros, amuam se os esquecemos, gritam. Querem que contemos a sua história, o seu pedaço recuperado da berma do caminho.
Às vezes demoram-se pouco tempo, deixam a sua história e voltam à sua vida. Outras vão voltando com histórias novas na bagagem, falam, bebem um café, desfrutam da companhia. A simpatia acaba por se fortalecer a um ponto que não nos apetece que se vão embora. É com esta ultima espécie que se montam os grandes espectáculos, perdão, os grandes romances.

Artur

2 comentários:

Unknown disse...

Os romances são feitos do que menos se espera, das conversas de café, de fantasmas, de malabarismos vários que a imaginação do homem consegue alcançar. Não há liberdade maior que esta, creio.

Artur Guilherme Carvalho disse...

A Escrita deveria ser a única e a derradeira função da consciência porque procura construír harmonias, significar absurdos, justificar o sentido que nunca tivémos. Obrigado Alfa pela tua visita global em forma de comentário a este blog. Bom Ano para ti e continua a passar por cá.