Não sei como nem quando é que isto começou, e pouco me importa. Poderia fazer uma breve viagem e encontrar duas ou três ocasiões em que tentei falar contigo sem êxito. Umas vezes era porque chovia, outras era porque fazia Sol. Estavas sempre muito ocupado no teu cargo muito importante a tratar das coisas importantes que te diziam respeito… ou estavas sem tempo nem paciência para me aturar. Mas não vou entrar por aí. A culpa não é para aqui chamada. Os factos, sim. E, analisando a questão friamente, o facto principal é que nos fomos afastando com o passar do tempo. O mar foi comendo lentamente essa praia que era a nossa, até não sobrar nada entre ele e os penhascos da indiferença. Do espaço vazio da tua companhia passei à indiferença da tua existência. E aos poucos, a tua imagem foi-se desvanecendo até não sobrar nada. Hoje se te sorrir é com o esforço da representação a arregaçar-me as bochechas da cara. Se te cumprimentar, é com o guindaste da formalidade a erguer-me a mão aberta na tua direcção. Não sei como é que cheguei até aqui, só sei que este é o lugar onde estou. E, nesse lugar a tua amizade é-me completamente indiferente. Poderíamos estar aqui a desfiar um novelo interminável de razões, motivações e “porquês”. Mas não me interessa. À minha volta vão morrendo cada vez mais pessoas que eu conhecia bem, inesperadamente, sem razão, caem. Algumas nem sequer considero amigas apesar da grande empatia que nos liga. A injustiça e a lei do Absurdo que regula as nossas existências, aprendida nos livros da juventude e sentida agora na carne, diz-me que não há tempo para um gajo se preocupar com frivolidades. Passaram vários tempos para eu ter deixado de ter tempo para ti. Passou o tempo de querer agradar aos outros com sacrifício da individualidade; de alimentar uma amizade inexistente em troca de um conforto emocional; de dizer ou calar, conforme as circunstâncias, e abafar o pensamento.
Agora as praias são outras, o amor entre as pessoas ou é genuíno ou não é. Não “ses”, nem “mas”, nem “enfins”. Agora as pessoas juntam-se, encontram-se e bebem uns copos desde que tenham essa vontade, desde que sintam que lhes vai fazer bem.
Os poemas, os romances, a música e tudo isso que nos fazia vibrar, eram no fundo a mais alta expressão desta verdade. Se nos faziam sentir bem, voltávamos a ver, a ler, a ouvir. Não porque esta fosse melhor que a outra, mas porque esta nos dizia alguma coisa e, fundamentalmente, nos fazia sentir bem. Assim é com as pessoas. Muito tempo de afastamento torna-nos pedras, penhascos indiferentes que contemplam o mar. Até o filho afastado da mãe em colo alheio acaba por parar de chorar e de se refazer emocionalmente. Por passarem vários tempos por ele, até deixar de ter tempo para ela.
Não há raiva nenhuma, nem pena, nem qualquer outro tipo de emocionalidade envolvida. Há uma estrada deserta com partículas de poeira ainda suspensas no ar, únicas testemunhas de um carro que acabou de arrancar. Há um par de botas empoeiradas que caminham vagarosamente pela berma da estrada, um homem de saco às costas que segue o cheiro da brisa do mar. Quem é quem? Não interessa…não tem importância.
Artur
3 comentários:
Ele merece e estou a imaginar qual será o melhor acompanhamento musical deste teu texto, Artur...
Que tal "Down to Zero" da Joan Armatrading (http://www.youtube.com/watch?v=Brp8Va8XVQw)?
"Quem é quem?"... às vezes interessa, e às vezes até tem muita importância... mas outras vezes não!
*esta crónica dava um filme, Artur!
António; 'Tou a ver que tinha aí um assessor de produção que estava escondido. A sugestão da banda sonora para este texto é integralmente aceite. Esta semana ainda te telefono. 1 abraço
Clarice,
Obrigado pela atenção, pelo carinho com que tens acompanhado os meus escritos ao longo destes anos. Deixa-me o teu mail e eu envio-te um exemplar de um livro meu. É o mínimo que posso fazer.Bjs
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