sábado, 9 de maio de 2009
IKIRU (VIVER)
Akira Kurosawa
Japão, 1952
Não vou entrar em discussões estéreis sobre se estamos perante a obra-prima do grande Mestre Samurai, nem tentar perceber porque é que um especialista em filmes sobre samurais e a época feudal do Japão se deslocou para a contemporaneidade e o “cinzentismo” de um país burocrático a emergir das cinzas da derrota da Segunda Guerra Mundial. Basta perceber que a esmagadora maioria dos seus filmes se consegue inscrever sem dificuldade nenhuma na categoria da Escrita Universal para afastar noções de Tempo e de Espaço e erguer o bloco da Humanidade em tudo (e para tudo) aquilo que fez.
Dado o seu carácter intimista e existencial, IKIRU é considerado um dos filmes mais admirados da obra de Kurosawa, quer pela originalidade formal, quer pela simplicidade narrativa. De facto, ao acompanhar o trajecto de um funcionário público que de repente se vê confrontado com o diagnóstico de uma doença terminal, o que se tenta é responder a uma das mais antigas questões que assolam a Humanidade pensante: Qual é afinal o significado da vida? Questão mil vezes colocada e outras mil deixada por responder. No filme a questão que mais nos assalta é: Se soubesses que a tua vida iria terminar amanhã ou daqui a uma semana, o que é que mudarias?
Kanji Watanabi (Takashi Shimura) é um burocrata municipal que um dia se apercebe que tem um cancro no estômago e apenas mais alguns meses de vida. A situação provoca nele uma sensação de despertar, contrariando trinta anos de escritório, papéis e carimbos. Uma existência repetitiva, sem cor nem brilho nenhum. Uma opção que lhe garantiu protecção e sobrevivência mas que em troca lhe cobrou a própria vida.
Apostado em recuperar o tempo perdido, Kanji decide faltar ao trabalho e gastar as suas economias em bares e clubes nocturnos. A ausência de relacionamento com o filho egoísta ganha alguma compensação ao encontrar uma sua antiga subordinada, Toyo (Miki Odagini) que havia deixado a sua agência por se sentir num beco sem saída. Agora dedicava-se a fabricar bonecas numa fábrica de brinquedos. Estava feliz porque sentia que o seu trabalho seria motivo de alegria para muitas crianças. Kenji pede-lhe que o ensine a viver. Quando lhe relata a sua situação clínica, ela fica aterrorizada e foge. Pelo caminho deixa-lhe um recado: “ Constrói alguma coisa”.
Kenji regressa ao trabalho determinado em deixar alguma marca da sua passagem pela terra. Lembra-se então de construir um parque infantil onde sucessivas gerações de crianças se poderão divertir. A partir daí alcança a serenidade perdida. Já na fase final da doença, com o parque quase terminado, Kenji senta-se num baloiço do parque. Apesar da queda dos flocos de neve o seu rosto está pacificamente em paz.
Ao ser avisado para a morte, Kenji decidiu procurar a vida, inventá-la, dar-lhe significado. Ao se aproximar do fim conseguiu finalmente a serenidade que lhe faltava.
IKIRU, apesar de ir já com mais de meio século de existência, continua presente e comovente. Dar um sentido à vida é uma tarefa muito mais árdua do que à partida poderemos imaginar. Perante a finitude da nossa existência, o significado só faz sentido se fizermos algo que os outros possam transportar depois de partirmos. Algo para eles.
Fantástica a cena final do parque à noite, em que, estando tudo tranquilo, há um baloiço que se move sozinho. Confortado com o facto de ter dado algum sentido à sua existência, Kenji, voltou uma última vez para dizer adeus à sua obra.
Artur Guilherme Carvalho
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