terça-feira, 3 de dezembro de 2019

THE IRISHMAN



THE IRISHMAN

Martin Scorsese

EUA, 2019


Estreado em 27 de Setembro deste ano no New York Film Festival, THE IRISHMAN trazia na sua posse todos os condimentos para rapidamente se tornar uma obra-prima (mais uma) para a colecção de um dos mais importantes realizadores de sempre. A começar por um elenco de luxo (Robert de Niro (Frank Sheeran), Al Pacino (Jimmy Hoffa), Joe Pesci (Russell Bufalino)), abordando um dos mitos mais marcantes da história do submundo (o misterioso desaparecimento de Hoffa em 1975 sem que fossem encontradas quaisquer pistas da sua morte ou assassinato), atravessando momentos decisivos da História americana nas décadas de 50 a 70 (eleição e posterior assassinato do Presidente Kennedy,o episódio da Baía dos Porcos, a perniciosa relação do submundo do crime  com as mais altas instâncias do poder). Já bem avançados na casa dos 70 todos estes dinossauros do Cinema conseguem construir um monumento fílmico que ficará na história dos filmes de gangsters como referência incontornável. O recurso ao processo CGI (Computed Generated Imagery) que permite rejuvenescer os actores, além do reforço realista que emprega ao filme permite aproveitar o mesmo rosto e o mesmo corpo dispensando a utilização de duplos. Um efeito especial sempre estranho de observar se bem que ver de Niro com olhos azuis não deixa de fzer alguma confusão.
Baseado no livro "I Hear You Paint Houses" de Charles Brant, o que na realidade o filme nos vai contando é a vida e o percurso de Frank Sheeran, um dos poucos não italo descendentes a integrar os cargos mais elevados da organização da Cosa Nostra, tal como publicado pelas autoridades norte americanas, ao lado de pesos pesados como Anthony "Tony Pro" Provezano ou Anthony "Fat Tony" Salerno. Nas suas memórias, entre outros feitos, Sheeran reclama para si a autoria da morte de Jimmy Hoffa o lendário presidente do sindicato dos camionistas e também alto quadro do crime organizado misteriosamente desaparecido no Verão de 1975 na região de Detroit sem qualquer pista deixada para trás acerca do seu desaparecimento. Uma verdade que ainda hoje e talvez nunca mais se irá conseguir esclarecer. É um Sheeran em fase final de vida (morreria aos 83 anos em 2003) que nos vai dando a sua versão de uma vida no submundo do crime iniciada pouco depois de regressar da II Guerra quando se encontra com o advogado   Russell Bursalino e é introduzido através dele nas fileiras da mafia de Filadélfia. É aí que vai conhecer lendas como Felix Di Tullio (Bobby Cannavale) ou o "Gentle Don" , Angelo Bruno (Harvey Keitel). Lendas que o realizador faz questão de nos apresentar acompanhados da legenda onde figuram os seus nomes a data e a forma como morreram. No final dos anos 50 Sheeran é apresentado a Jimmy Hoffa, sendo ele e Bursalino os seus dois grandes mentores de referência para o resto da vida. Acompanhando Hoffa, o irlandês passa rapidamente de guarda costas/ assessor/ secretário a dirigente sindical mantendo-se sempre na sombra do presidente. Uma grande amizade acabará por se formar entre os dois, amizade que durará duas décadas e  terminará abruptamente quando Sheeran é encarregado de abater Hoffa. Pelo meio fica uma longa narrativa do baile ente o poder e o submundo do crime, eleições forjadas, extorsão, assassinato de presidentes, tentativas de golpes de estado em países estrangeiros mais uma imensa panóplia de actividades e acontecimentos onde dois mundos se interpenetram de forma subversiva. Depois de um período na prisão Hoffa volta à liberdade empenhado em recuperar a presidência do "seu" sindicato. No entanto os tempos mudaram e com eles a conjuntura. É do interesse "geral" que Hoffa se retire e vá gozar a sua reforma. Mas Hoffa é teimoso e não ouve ninguém, nem o seu há muito "braço direito" que não se cansa de o avisar. "Eles estão preocupados. Não! Eles estão mesmo muito preocupados." É esta linguagem codificada, toda esta forma muito própria como os assuntos são debatidos, as reuniões e os pequenos pormenores que vão decidindo o destino de cada um. Uma linguagem que Scorsese domina de uma forma elegante e eficaz. Todo o filme acaba por ser uma fantástica sinfonia de talento. Qual intriga de Cúria Romana, Hoffa é abatido por um dos homens da sua maior confiança.
Sheeran terminará os seus dias em diálogos escassos com um padre e a tentar reconciliar-se com uma das suas filhas que nunca mais lhe falou quando percebeu que tinha sido ele a abater o seu melhor amigo. As revelações acabam por se deixar ver num tempo em que já todos, ou quase todos, desapareceram.
THE IRISHMAN é um colosso no que ao género de filmes de gangsters diz respeito. Violento sem derramar violência gratuita, subversivo sem se enredar no folclore das teorias da conspiração, dramático e humano no que à análise dos defeitos e das culpas  diz respeito. As suas três horas de duração passam a correr sem darmos pelo tempo.

Artur


Sem comentários: