domingo, 19 de junho de 2016

PÉROLAS DE SCOLA 2


LA NUIT DE VARENNES/ A NOITE DE VARENNES

Ettore Scola

França/ Itália 1982

A 20 de Junho de 1789 uma carruagem com a família real tenta a sua fuga de Paris que arde sob o fogo da Revolução. Dias mais tarde o rei Luís XVI e a rainha Maria Antonieta acabam por ser capturados na povoação de Varennes, precipitando uma trágica série de acontecimentos reforçada pela desconfiança e pelo ódio à monarquia. A acção do filme, que não acompanha em directo as várias peripécias desta fuga atribulada, centra-se numa segunda carruagem algumas horas atrasada em relação à primeira, onde viaja um grupo extremamente improvável de personagens, cada um com o seu destino e motivação diferentes. Uma condessa austríaca que tinha sido aia da rainha (Hanna Schygulla), o filósofo e escritor libertino Restif de la Bretonne (Jean Louis Barrault), o revolucionário americano Thomas Paine (Harvey Keitel), um Casanova em plena velhice (Marcelo Mastroianni), uma viúva a caminho da sua propriedade (Laura Betti), um juiz e uma cantora de ópera (Andrea Ferrol).


Baseado no romance de Catherine Rihoit ( “La Nuit de Varennes oú l’impossible n’est pas Français”) o filme tem a particularidade de desenvolver a análise histórica de forma indirecta através dos diálogos entre personagens de ficção sem que isso prejudique o rigor ou sequer a verosimilhança dos factos. Naquela carruagem um passo atrás dos acontecimentos os conceitos de “vida”, “mudança”, medo” e “solidão” vão sendo debatidos e avaliados através de várias perspectivas quer sociais quer etárias. Através da avaliação dos tempos de mudança e incerteza em que se encontram mergulhados fala-se de política e de Filosofia. Neste autêntico road movie de reconstituição histórica confrontam-se os tempos modernos com os antigos e descreve-se o esboço de uma nova ideologia principalmente através das intervenções de Paine ou de Restif. A ordem antiga é defendida pela condessa austríaca. Numa coisa parecem estar todos de acordo. “A idiotice é a pior das traições e não há nenhuma revolução que consiga acabar com ela”. Percebe-se que a revolução é uma consequência directa do sofrimento da população em geral. Mas também é evidente que os filhos dessa revolução, ao destruírem os valores da ordem antiga não têm a mínima ideia acerca daquilo que vão construir no seu lugar. Fica aberta a porta para um tempo de vazio e incerteza. A discussão acesa entre o jovem estudante que insulta abertamente o decrépito Casanova faz antever o resvalar da revolução para a brutalidade e a violência gratuita, para o regime de terror que se irá seguir.

Mas os tempos mudam sempre como o cenário de um palco e o que se mantém somos nós os seres humanos essa espécie construtora de todas as ordens antigas e modernas. A vida acabará por continuar de uma forma ou de outra e o que nos distingue será a forma como respeitamos e vivemos com os nossos valores. Se por um lado a atracção da condessa pelo revolucionário americano se vai reforçando nem por isso as suas ideias são alvo de cedência. Perto do fim do filme vemos uma cena em que a condessa veste um manequim com um manto do rei que tinha trazido de Paris e, de seguida, rende a sua homenagem ajoelhando-se na sua frente.
Sendo um filme de reconstituição histórica LA NUIT DE VARENNES é também uma lição de vida que nos relembra o modo como tudo é tão efémero e de como somos muito mais iguais do que alguma vez poderíamos imaginar em tempos de normalidade. Respiramos o mesmo ar, temos o mesmo medo, sonhamos os mesmos sonhos. E tudo é tão frágil que pouco ou nada vale se não nos soubermos colocar nesta  trágica comédia onde a História, o Medo, o Amor, a Vida e a Morte brincam com as nossas existências sem dó nem piedade. Um grande filme, portanto.


Artur

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