Às vezes a vontade desliga, ficamos perdidos ente
o Passado e o Presente e vemos abrir-se à nossa frente uma estrada sem
regresso, numa única direcção. Ser ou ter sido músico de Rock ‘n Roll não é uma
actividade como outra qualquer. É uma religião, um culto estabelecido durante
um período de tempo aos deuses da Liberdade e da Solidariedade entre os seres.
Uma religião com os seus rituais, os seus santos…os seus mártires. Renato Rocha
(Negrete), o antigo baixista dos Legião Urbana, não foi o primeiro nem será com
certeza o último no desfile dos ícones desta religião. Um quarto esquecido no
anonimato de um hotel de periferia, uma relatório pericial, um testemunho de
uma última pessoa que falou com ele em vida, uma paragem cardíaca. Um somatório
de banalidades que, todos juntos, não conseguem desenhar a primeira letra do
seu nome. Renato Rocha terminou ali mas para trás foi grande. Foi baixista e
compositor do Legião Urbana, mítica banda do B Rock, o Rock brasileiro dos anos
80 ao lado de Renato Russo, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá. O mundo deu
várias voltas, a banda terminou pouco depois da morte de Renato Russo. Há um
ano ou dois atrás uma reportagem de televisão dava conta que o famoso Negrete
vivia no meio da rua. Familiares, antigos companheiros da banda, todos falaram
mas ninguém contava muita coisa. As palavras ficavam no ar a desenhar frases
vagas. Problemas de dependência com álcool e drogas, distúrbios psicológicos. O
próprio também não adiantava muito. Surgiu a ideia de internamento numa clínica
com a anuência do principal interessado. A primeira reportagem terminava aí.
Numa segunda reportagem ficamos a saber que o internamento havia durado apenas
alguns dias. Renato tinha deixado a clínica. No ano de 2014 Renato é convidado
para participar no projecto Urbana Legion onde regressa aos palcos para tocar
os sucessos do passado. Ultimamente andava em tratamento numa clínica de
recuperação. Tinha possibilidade de sair aos fins-de-semana. Foi num fim-de-semana
que o seu coração parou. Tinha 53 anos, dois filhos e uma neta.
Que importa a forma como desaparecemos? Que
importam os detalhes do último dia? Nada. Está tudo no culto, no som, na força
do Rock, na electricidade, na batida, nas luzes, no público. Está tudo nesses
breves instantes em que os deuses nos deixam sentar à sua mesa.
Artur Carvalho
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