“Há quem diga que eu
não vi…há quem pense que eu fugi”
Tara
Perdida
Antes de mais nada quero-te dizer
que compreendo. Antes que seja tarde e quando já não me conseguires ouvir.
Compreendo que não queiras jogar mais cartas para cima da mesa, não porque já
não as tenhas mas porque se te acabou a vontade de jogar. Compreendo que todos
temos um limite de ser espancados pela realidade, todos temos uma linha a
partir da qual existe o direito de escolher. Acabar, pôr uma pedra em cima de
tudo, esgotar todos os sentidos, fechar todas as portas e largar a casa a
caminho de casa. Tempos houve em que não consegui compreender. Entramos num
jogo de resistência sem saber as regras, enchemos um cenário de loucura desconhecendo
o filme, sofremos um pouco todos os dias sem nunca perceber para que é que
serve o sofrimento. O Miguel pendurado de uma seringa dentro de um carro
embaciado em frente ao rio, o Luís a engatar magalas desenfreado nas casas de
banho das estações de metro. A expressão serena de um e o brilho cada vez mais
pequeno nos olhos do outro. Não compreendi que desligaram, que acharam o
absurdo maior do que a sua capacidade de resistência, o “porquê” de manter um
cenário que lhes trazia mais sofrimento do que outra coisa. Não compreendi e
sofri a sua passagem para as outras terras, para aquelas paragens onde todos
acabaremos por nos encontrar. Fizesse eu o que fizesse, nada resultaria que os
desviasse de uma escolha previamente elaborada. Quiseram assim. E não
compreendi na altura que éramos e somos todos reflexos uns dos outros, que se
sofremos a vertigem do fim é apenas porque perdemos partes do Ser que é apenas
um. É preciso crescer, viver, envelhecer. É preciso percorrer um longo caminho até
atingir uma relação equilibrada com a frustração, o desapontamento e a dor.
Hoje, passados todos estes anos vejo em ti o sorriso do Miguel e o brilho dos
olhos vivos do Luís. Vejo em ti a minha cara e o meu sorriso numa tarde de Sol.
Estamos todos lá. Não posso correr atrás de ti, não posso fazer nada a não ser
deixar-te ir, respeitar a tua escolha. Amo muito a tua presença e a tua mão na
minha mas não me posso esquecer do teu sofrimento que além de extremamente
pesado te mortifica ao longo do caminho. Podia ser eu e de certa maneira sou. E
faria exactamente como tu uma vez atingidos os meus limites. E sei que
respeitarias a minha escolha. Por isso te compreendo, por isso respeito a tua
atitude de ir desligando os botões um a seguir ao outro. Desta vez já não vou
sofrer. Desta vez ficarei apenas brevemente triste de te ver partir…mas
compreendo. As partes da mesma unidade não partem todas ao mesmo tempo. No
entanto acabam sempre por se encontrar do outro lado. Acabam sempre por formar
a unidade. És linda e sempre o foste tal como te amo e sempre te amei. Antes
que deixes de me ouvir quero que saibas tudo isto. Quero-te dizer que
compreendo.
Artur
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